janeiro 22, 2004

Breve reflexão sobre a empresa dos Caminhos de Ferro Portugueses

Em 30 de Outubro de 2006 a CP vai comemorar, assim se espera, os 150 anos do comboio em Portugal. Para além do simbolismo da efeméride, aquela será sem dúvida a melhor ocasião para reflectir sobre o glorioso passado histórico da empresa, mas também sobre o que se pretende para o futuro no que ao caminho-de-ferro diz respeito. E isto, tendo sempre presente que a CP, a "Companhia" onde milhares de ferroviários prestaram um inestimável serviço ao país, já não é mais o que era. E não o é porque, nos últimos vinte anos, as sucessivas administrações da CP desmembraram a empresa e deixaram-na quase irreconhecível.
Vem isto a propósito da última revisão horária, em vigor desde 15 de Junho, e para a qual não há palavras que classifiquem tamanho absurdo. E até não foi necessário fazerem-se grandes alterações para que a incompetência dos responsáveis que elaboraram os novos horários ficasse bem vincada.
A supressão da paragem do comboio internacional (421) nas estações de Vila Praia de Âncora, Barroselas, Nine e Trofa foi a mais polémica das alterações, mas ficou longe de ser a que mais reparos merece quando comparadas com outras. A este propósito, convém no entanto lembrar que foram feitas alterações que ainda hoje não se sabe se resultaram da incapacidade de quem elaborou os horários ou, e esta hipótese não pode ser posta de parte, significam algo mais. Senão vejamos. No período estival, o comboio que mais passageiros leva para as praias de Âncora é, exactamente, o que deixaria de ali parar. No caso de Barroselas, os registos não deixam dúvidas: a CP preparava-se para suprimir a paragem do comboio que mais passageiros lhe dá. Inacreditável! No entanto, Nine é talvez o caso mais flagrante de entre os quatro. O comboio fazia ali uma paragem de seis minutos mas... não admitia passageiros! Quanto à Trofa, há quem acredite que se trata de uma "retaliação" dado o comportamento da autarquia no processo de electrificação e duplicação da Linha do Minho até Nine, e dali para Braga.
Contudo, a referida revisão horária trouxe pelo menos dois outros casos que, não sendo do conhecimento público dado o carácter restrito da informação, são fundamentais para compreender melhor o estado a que chegou a CP. Não os destaco porque ambos são motivo para serem ridicularizados até à exaustão. Sabia o leitor que está diariamente previsto para a estação de Tamel um cruzamento entre um comboio de mercadorias e um de passageiros mas que nem sempre o primeiro, por ser demasiado longo, cabe na linha? Quando assim acontece, o cruzamento tem que ser feito na estação de Barroselas, onde os limites são mais compridos. Caso contrário, e não é certo que o maquinista aceitasse estar parado por tempo indeterminado dentro do túnel, a manobra arrastar-se-ia por longos minutos. Resta acrescentar que, antes da revisão horária, este cruzamento era feito em Barcelos e ainda hoje podia continuar a fazer-se.
O outro caso, bem... Há dois comboios, um de mercadorias e outro de passageiros, que cruzam em Barcelos. Com a mudança do horário, estabeleceu-se que o de mercadorias cruzaria com o de passageiros sem que parasse. Acontece que, vejam só, o comboio que não pára chega cinco minutos mais cedo que o de passageiros!
Assim está a ser administrada a CP mas ninguém parece muito incomodado com isso.

P.S.: Um mês depois da entrada em vigor, ainda não há horários nas estações para distribuir pelos passageiros. Vão longe os tempos em que se não houvesse papel e tinta para os imprimir também não se faziam as alterações.

(Texto publicado no Jornal de Barcelos de 16 de Julho de 2003)

PAULO VILA

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