junho 02, 2006

Por que é que o presidente da CP se demitiu?

O homem que aceitou o “desafio” de “assegurar um resultado operacional equilibrado num prazo de cinco anos” e de fazer da CP “a melhor empresa” de transporte ferroviário da Península Ibérica demitiu-se. Acrescenta o Ministério dos Transportes que António Ramalho o fez por “motivos estritamente relacionados com a sua conveniência pessoal”. Ou, dito de outra forma, o presidente da CP preferiu ir apanhar ar para outras paragens, onde as dores de cabeça são menores e as competências menos vezes postas à prova.
Sou um entusiasta inveterado do caminho-de-ferro e confesso, sem qualquer tipo de animosidade, que rejubilei com este anúncio. Não por qualquer ímpeto malévolo ou outro, mas porque há muito que defendia a exoneração de António Ramalho. Tive oportunidade de o expressar publicamente em várias ocasiões…
Pouco me importam as razões invocadas pelo presidente demissionário para justificar a sua saída. Quaisquer que elas sejam, respeito-as, porquanto serão sempre legítimas. Mas para quem andou todo este tempo a pedir empenho e abnegação aos trabalhadores da empresa, seria de todo desejável e justo que pelo menos àqueles António Ramalho prestasse, também agora, algumas explicações.
De resto, quem acompanhou de perto a forma como desde 24 de Setembro de 2004 a CP tem vindo a ser gerida, conhece os motivos que levaram a esta demissão: contrariamente ao que apregoa a agência de comunicação por este contratada, a estratégia de António Ramalho para a CP faliu. E faliu, primeiramente, porque ela foi delineada não a pensar na reconversão e expansão do transporte ferroviário, mas antes baseada em pressupostos economicistas que, de todo em todo, não servem a CP nem os passageiros desta. Depois, foi implantada por um homem que nem na próxima encarnação vai querer perceber que a viabilidade económica da CP se consegue através do aumento substancial do número de passageiros e não suprimindo comboios e serviços. Encerrando linhas e vendendo material circulante à Argentina… Em suma, desinvestindo em vez de fazer exactamente o contrário.
Posto isto, houvesse hombridade, coragem política e vontade efectiva de colocar a empresa nos carris, Ernesto Martins de Brito seria o escolhido para presidir novamente à CP. Mais do que merecida, esta oportunidade é-lhe devida, sobretudo, pela forma como foi afastado do cargo. Já os longos anos que passou na CP dão-nos a garantia de que a empresa seria, de novo, gerida por quem sabe.

PAULO VILA
O flagelo da gestão de António Ramalho

Dia após dia, a incapacidade de António Ramalho para gerir a CP manifesta-se em todo o seu esplendor. O esforço para que tal não ganhe relevo junto da comunicação social é enorme mas, ainda assim, há ocorrências que nem mesmo o esforço e o empenho do conselho de gerência e dos seus correligionários conseguem impedir que sejam do conhecimento público.
São disso exemplo dois casos ocorridos a semana passada na linha do Minho. O primeiro, aconteceu com o comboio regional 3113, entre Nine e Viana do Castelo. A circular com apenas um motor, a composição acabou por deter-se logo após o apeadeiro da Silva. Pedido socorro pela tripulação do dito comboio, eis a resposta: “não há material circulante” para rebocar a composição avariada. Apagadas as luzes e desligado o ar condicionado, a marcha prosseguiu, a “passo de caracol”, acumulando longos minutos de atraso e sacrificando desnecessariamente o material. Aliás, só por sorte, que é coisa que não tem faltado nem à CP nem à REFER, é que o motor que restava não avariou também.
A segunda ocorrência é, igualmente, um hino à incompetência. No âmbito do Campeonato Europeu de Futebol, foi anunciado um comboio especial para transportar os passageiros do Portugal – Sérvia e Montenegro. Partiu de Barcelos às 22h20 com destino a Porto-Campanhã. Acontece que, como a divulgação foi miserável, a iniciativa fracassou. De tal forma que apenas foram vendidos 20 bilhetes para um comboio que oferecia quase 200 lugares sentados.
Ora, avaliando este desempenho catastrófico à escala da rede ferroviária explorada pela CP, uma pergunta se impõe: o que é António Ramalho continua a fazer na CP? Monte?!

PAULO VILA
Notas sobre a CP e o seu presidente

1. De forma habilidosa mas pouco inteligente – nada a que não nos comecemos já a habituar –, o comunicado de imprensa sobre “as contas do exercício de 2005” da CP, apresentadas no passado dia 4 de Março, diz, num dos títulos, o seguinte: “2005 trava tendência de redução dos passageiros”. Mais adiante, no meio do texto, acrescenta-se: “por quilómetro transportados...”. Depois, compara o número de passageiros por quilómetro transportados (PK) em 2005 com os de 2003. Caso contrário, se a comparação fosse feita com os de 2004, os resultados seriam negativos! É que de acordo com a International Union of Railways (UIC), em 2004 o PK da CP foi de 3,415 mil milhões, e em 2005 de apenas 3,412 mil milhões. Ou seja, menos 0,1%.
Mas este “esforço” para fazer do que é preto branco não acontece por acaso. Pensará o presidente da CP que, deste modo, se retira importância ao facto de a empresa ter transportado menos três milhões de passageiros em 2005, comparativamente com o ano anterior.
Merece, pois, um esforço tentar perceber para onde António Ramalho “empurra” a CP. Estatísticas da UIC, que permitem comparar o número de passageiros transportados em 1994 e 2005 pelos operadores ferroviários europeus, mostram as seguintes variações: Espanha (+44%), Alemanha (+20%), Áustria (+1%), Inglaterra (+51%), Bélgica (+31%), Holanda (+3%), França (+22%), Luxemburgo (+24%), Itália (+13%). E Portugal? Pois bem! Menos 34%! O equivalente a quase 70 milhões de passageiros, para uma perda média anual que ronda os 5,5 milhões.
E o que diz António Ramalho sobre isto? Nada! A não ser que “a CP conseguiu reduzir, em apenas um ano, 26% do prejuízo registado em 2004”. Em suma. Só o presidente da CP parece não ter ainda percebido que quando se acabar com os comboios a empresa deixa de ter prejuízos…

O “frete” de Nicolau Santos

2. Nicolau Santos, director-adjunto do Expresso, titulou o “Cem por Cento” do último 25 de Março desta forma tão singular: “O bom caminho que segue a CP”. Ora, com esta opinião, o economista ou pretende fazer um “frete” ao inefável conselho de gerência da CP ou, então, foi induzido em erro por não terem tido o cuidado de lhe facultarem a totalidade dos números.
Permitir-me-á Nicolau Santos que dê aqui a minha opinião sobre “o bom caminho que segue a CP” para dizer que, no mínimo, aquela afirmação é uma monumental falácia. Caso contrário, Nicolau Santos acha que a CP segue no bom caminho quando, em apenas um ano (2005), perde quase três milhões de passageiros!? Ou será que a CP está mesmo no bom caminho quando o seu presidente vende à Argentina material circulante, nomeadamente locomotivas, que são indispensáveis no já de si muito debilitado parque de material circulante da empresa? E o que dizer da transportadora e do seu presidente quando estes se recusam a admitir que durante mais de vinte anos a empresa fez, à margem da lei, sucessivas alterações à Tarifa Geral de Transportes e que muitas destas alterações agravaram significativamente o preço dos bilhetes? Concordará Nicolau Santos que o bom caminho a dar à CP passa pela degradação do serviço regional e pela extinção do serviço Intercidades, como aconteceu recentemente na linha do Douro? Ou pela supressão de comboios e, noutros casos, pela substituição destes por autocarros? Ou será, ainda, que o melhor caminho a seguir é o da CP continuar sem uma estratégia de fidelização e de captação de novos clientes? É que o saneamento financeiro da CP não pode ser feito apenas à custa uma redução “cega” das despesas, mas sobretudo através de um aumento considerável das receitas.
Mas o que é que tem feito António Ramalho para o conseguir? Nada. Absolutamente, nada! Pelo contrário. Prevê no seu plano estratégico “Líder 2010” o fim da exploração comercial nas linhas do Tâmega, Corgo e Mirandela!
É, pois, por estas e por muitas outras que a CP “até vai reduzir os prejuízos de 260 milhões de euros em 2004 para 190 milhões de euros em 2005”, como enfatizou Nicolau Santos. Mas o que aqui está em causa não são os resultados, mas sim a forma negligente e irresponsável como eles foram e continuam a ser obtidos. E nem é necessário ser-se economista para que qualquer principiante ou simples entusiasta pelo caminho-de-ferro chegue a esta conclusão. Algo vai mal quando uma empresa que tem um défice de passageiros transportados por quilómetros tão elevado como o da CP reduz, em apenas um ano, os seus prejuízos em 60 milhões de euros.
Por isso, Nicolau Santos não deveria considerar como sendo uma virtude o facto de Ana Paula Vitorino ter “resistido à tentação de mudar a gestão da CP”. Longe disso! Em nome do interesse nacional e da sustentabilidade do transporte ferroviário há muito tempo que António Ramalho deveria ter sido exonerado.

PAULO VILA