março 17, 2005

As gratificações e como a REFER gere os dinheiros públicos

Sem que se perceba porquê e com que finalidade, o Conselho de Administração da REFER – Rede Ferroviária Nacional, acaba de distribuir pelos seus funcionários 632.732,79 euros em gratificações – qualquer coisa como 127 mil contos! Abstraindo-nos do facto de o actual momento não ser o melhor para este tipo de generosidades, na maioria dos casos, os ditos 127 mil contos dar-se-iam como justa e meritoriamente entregues. Tanto mais que, desde a sua fundação, há quase 150 anos, as administrações do caminho-de-ferro souberam sempre premiar todos aqueles que se destacaram pelo empenho e abnegação colocados no exercício das suas funções. Foi assim durante dezenas de anos, com regras muito claras e equitativas, e publicitadas internamente junto de todos os funcionários.

O Conselho de Administração a que José Braamcamp Sobral preside parece, no entanto, ter inaugurado uma nova era. E se é certo que tenho o presidente da REFER como pessoa honesta e vertical, não é menos verdade que os critérios que levaram à distribuição de mais de meio milhão de euros em gratificações são tudo menos condizentes com aquele perfil. Mais, levantam grandes dúvidas porquanto ficamos sem saber se elas premeiam o mérito individual de cada trabalhador ou uma espécie de subserviência compulsiva de “meia dúzia” deles.

E, neste caso, até porque estamos na presença de uma empresa pública, importa saber que critérios e finalidades presidiram à distribuição de todo aquele dinheiro. Desde logo porque as gorjetas só contemplaram cerca de dez por cento dos trabalhadores da empresa. Mas, também, para que se perceba o quanto de extraordinário uma funcionária pode ter feito pela empresa que justifique a entrega de mão beijada de 5.699 euros! Ou entre os 3.000 e os 4.966 euros, como acontece em mais de três dezenas de casos. Pelas razões mais óbvias, esta decisão do Conselho de Administração da REFER deixou indignados todos quantos – e são muitíssimo mais de dez por cento! – servem a empresa com um elevado grau de responsabilidade e profissionalismo.

Mas, na REFER, esta forma de esbanjar dinheiro absolutamente inútil há já muito tempo que ultrapassou a idade adulta. E de tanto reincidir, coisas há que, mesmo não o sendo, afiguram-se-nos tão verosímeis quanto a REFER ter decidido gratificar uma funcionária com mais de 1.100 contos!

Vem isto a propósito de algumas obras realizadas em infra-estruturas da linha do Minho durante o ano que passou e o de 2003. Três casos distintos: para pintar o pequeno abrigo de passageiros de S. Miguel da Carreira, trabalho de pouco mais de dois dias, a REFER pagou 3.112,67 euros. Ora, este valor é suficiente para pintar dois automóveis por dentro e por fora... e algumas dez vezes o dito abrigo! Ainda assim, o montante foi pago sem contestação. Um outro caso: também em algumas pinturas e, sobretudo, na reparação do telhado, a factura paga pela intervenção na estação de Barroselas foi de 8.577,42 euros. Mas como se não bastasse esta exorbitância, a tinta das portas há já muito que começou a cair e o mesmo se espera que entretanto aconteça ao telhado, uma vez que continua a meter água. Por último, o mais flagrante destes três exemplos pode ser conferido não muito longe dali, no apeadeiro de Durrães. Aqui, o preço das obras quase dava para construir um novo edifício (10.882,72 euros). Mas não! Apenas foram recolocadas duas janelas, substituídas duas portas, remendado atabalhoadamente um pequeno buraco na sala de espera, trocadas algumas telhas e pintado todo o edifício. Mesmo assim, as janelas nem sequer abrem porque, inacreditavelmente, foram pintadas fechadas. A qualidade da empreitada é tão ruim que chega a ser deprimente olhar para aquilo.

Mas todos estes casos assumem proporções que vão para além do inimaginável se tivermos em conta que a REFER garante que as obras, da responsabilidade de um único empreiteiro, foram “fiscalizadas” por “supervisores” da empresa. Em boa verdade, nem mesmo fazendo um apelo a uma generosíssima dose de lisura se consegue evitar a gargalhada.

Não nos devemos surpreender, pois, com as notícias recentes que dão conta de que a REFER está a investigar casos de corrupção envolvendo quadros intermédios da empresa e empreiteiros, cujos prejuízos estão calculados em várias centenas de milhar de euros. Afinal, trata-se tão somente de mais um caso. Um caso de manifesta falta de rigor e transparência na gestão de dinheiros públicos.

PAULO VILA