junho 02, 2006

Notas sobre a CP e o seu presidente

1. De forma habilidosa mas pouco inteligente – nada a que não nos comecemos já a habituar –, o comunicado de imprensa sobre “as contas do exercício de 2005” da CP, apresentadas no passado dia 4 de Março, diz, num dos títulos, o seguinte: “2005 trava tendência de redução dos passageiros”. Mais adiante, no meio do texto, acrescenta-se: “por quilómetro transportados...”. Depois, compara o número de passageiros por quilómetro transportados (PK) em 2005 com os de 2003. Caso contrário, se a comparação fosse feita com os de 2004, os resultados seriam negativos! É que de acordo com a International Union of Railways (UIC), em 2004 o PK da CP foi de 3,415 mil milhões, e em 2005 de apenas 3,412 mil milhões. Ou seja, menos 0,1%.
Mas este “esforço” para fazer do que é preto branco não acontece por acaso. Pensará o presidente da CP que, deste modo, se retira importância ao facto de a empresa ter transportado menos três milhões de passageiros em 2005, comparativamente com o ano anterior.
Merece, pois, um esforço tentar perceber para onde António Ramalho “empurra” a CP. Estatísticas da UIC, que permitem comparar o número de passageiros transportados em 1994 e 2005 pelos operadores ferroviários europeus, mostram as seguintes variações: Espanha (+44%), Alemanha (+20%), Áustria (+1%), Inglaterra (+51%), Bélgica (+31%), Holanda (+3%), França (+22%), Luxemburgo (+24%), Itália (+13%). E Portugal? Pois bem! Menos 34%! O equivalente a quase 70 milhões de passageiros, para uma perda média anual que ronda os 5,5 milhões.
E o que diz António Ramalho sobre isto? Nada! A não ser que “a CP conseguiu reduzir, em apenas um ano, 26% do prejuízo registado em 2004”. Em suma. Só o presidente da CP parece não ter ainda percebido que quando se acabar com os comboios a empresa deixa de ter prejuízos…

O “frete” de Nicolau Santos

2. Nicolau Santos, director-adjunto do Expresso, titulou o “Cem por Cento” do último 25 de Março desta forma tão singular: “O bom caminho que segue a CP”. Ora, com esta opinião, o economista ou pretende fazer um “frete” ao inefável conselho de gerência da CP ou, então, foi induzido em erro por não terem tido o cuidado de lhe facultarem a totalidade dos números.
Permitir-me-á Nicolau Santos que dê aqui a minha opinião sobre “o bom caminho que segue a CP” para dizer que, no mínimo, aquela afirmação é uma monumental falácia. Caso contrário, Nicolau Santos acha que a CP segue no bom caminho quando, em apenas um ano (2005), perde quase três milhões de passageiros!? Ou será que a CP está mesmo no bom caminho quando o seu presidente vende à Argentina material circulante, nomeadamente locomotivas, que são indispensáveis no já de si muito debilitado parque de material circulante da empresa? E o que dizer da transportadora e do seu presidente quando estes se recusam a admitir que durante mais de vinte anos a empresa fez, à margem da lei, sucessivas alterações à Tarifa Geral de Transportes e que muitas destas alterações agravaram significativamente o preço dos bilhetes? Concordará Nicolau Santos que o bom caminho a dar à CP passa pela degradação do serviço regional e pela extinção do serviço Intercidades, como aconteceu recentemente na linha do Douro? Ou pela supressão de comboios e, noutros casos, pela substituição destes por autocarros? Ou será, ainda, que o melhor caminho a seguir é o da CP continuar sem uma estratégia de fidelização e de captação de novos clientes? É que o saneamento financeiro da CP não pode ser feito apenas à custa uma redução “cega” das despesas, mas sobretudo através de um aumento considerável das receitas.
Mas o que é que tem feito António Ramalho para o conseguir? Nada. Absolutamente, nada! Pelo contrário. Prevê no seu plano estratégico “Líder 2010” o fim da exploração comercial nas linhas do Tâmega, Corgo e Mirandela!
É, pois, por estas e por muitas outras que a CP “até vai reduzir os prejuízos de 260 milhões de euros em 2004 para 190 milhões de euros em 2005”, como enfatizou Nicolau Santos. Mas o que aqui está em causa não são os resultados, mas sim a forma negligente e irresponsável como eles foram e continuam a ser obtidos. E nem é necessário ser-se economista para que qualquer principiante ou simples entusiasta pelo caminho-de-ferro chegue a esta conclusão. Algo vai mal quando uma empresa que tem um défice de passageiros transportados por quilómetros tão elevado como o da CP reduz, em apenas um ano, os seus prejuízos em 60 milhões de euros.
Por isso, Nicolau Santos não deveria considerar como sendo uma virtude o facto de Ana Paula Vitorino ter “resistido à tentação de mudar a gestão da CP”. Longe disso! Em nome do interesse nacional e da sustentabilidade do transporte ferroviário há muito tempo que António Ramalho deveria ter sido exonerado.

PAULO VILA

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