janeiro 23, 2004

Assim, quanto tempo mais faltará para que se acabe com os comboios em Portugal?

Irresponsável, inaceitável e preocupante. É tudo quanto se pode dizer do anúncio feito há alguns dias pelo presidente do conselho de administração da CP, Crisóstomo Teixeira, dando conta da privatização de alguns sectores e serviços da empresa responsável pelo transporte ferroviário em Portugal. Os argumentos invocados, a obsessão despropositada e injustificável por um serviço de alta velocidade, vulgo TGV, e a visão redutora que tem de um serviço público de transporte ferroviário justificam, mais do que nunca, o afastamento imediato daquele administrador.
Omitindo, talvez, até deliberadamente, o passado de uma empresa que prestou, durante largas dezenas de anos, um inestimável serviço público aos país e aos portugueses, Crisóstomo Teixeira está agora preocupado em fazer da CP uma empresa “pequena e saneada”. Para isso, defende a “saída da Unidade de Suburbanos da Grande Lisboa da esfera da CP”, por representar uma diminuição dos prejuízos “na ordem de 14 milhões de euros”, e dos Suburbanos do Grande Porto, já que com isso, defende, “seriam menos 12 milhões de prejuízo”. Mas há mais! Crisóstomo Teixeira assegura que, daqui a nove anos, a CP “provavelmente, já não fará serviço de suburbanos, fará muito pouco de regionais” e “o serviço de mercadorias já estará privatizado”.
Mas eu diria mais: se pudesse, Crisóstomo Teixeira reduziria a CP a dez comboios pendulares - daqueles que aparecem nos anúncios e até são cobiçados para exposições durante um qualquer congresso mundial sobre alta velocidade - e, simultaneamente, “coleccionaria” TGV’s, esses comboios de quem todos falam mas ninguém sabe exactamente para que vão servir. Sim porque, se assim não fosse, Crisóstomo Teixeira não diria “...mas a CP é obrigada a fazer uma oferta pública de serviço”. É, no mínimo, ridículo pensar-se que, para além de alguns (poucos) casos, a CP ainda presta um serviço público. Poderá, algum dia, dizer-se que uma empresa pratica serviço público quando, por exemplo, a maioria dos apeadeiros da Linha do Minho não tem um único comboio durante quatro horas e meia? Crisóstomo Teixeira parece esquecer que Portugal e os portugueses não são só aqueles que habitam nas grandes áreas metropolitanas do Porto e Lisboa. Os portugueses de Barcelos, Barca de Alva, Monção, Reguengos, Vila Viçosa, Rossas... também são contribuintes do Estado!
Dizer que a “tentação será reduzir” a oferta de comboios e, por outro lado, fazer questão de admitir que se “se reduz muito é objecto de contestação local”, é amplamente demonstrativo das ideias e projectos que Crisóstomo Teixeira tem para o transporte ferroviário português. E mais! Estas afirmações são a prova categórica de que a actual administração da CP parece possuir uma estratégia para forçar o encerramento de mais linhas: recorrendo ao já mais do que gasto argumento de que “a taxa de ocupação é muito baixa”, vai retirando comboios de forma gradual para evitar a denominada “contestação local”; com isto, os passageiros vão abandonando o transporte ferroviário até se chegar a uma situação insustentável.
Enquanto o senhor Crisóstomo Teixeira e os seus pares não procurarem perceber por que é que uma parte importante da rede ferroviária nacional já foi desactivada e por que continuam muitos portugueses a preferir o transporte particular e os autocarros, ainda que pagando mais, ao transporte ferroviário, tudo quanto possam dizer para justificar o encerramento de mais linhas, a privatização da empresa e a redução do número de comboios é, primeiramente, infundado e, mais grave ainda, intolerável.

(Artigo publicado em 7 de Maio de 2003 no Jornal de Barcelos)

PAULO VILA

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