dezembro 21, 2006

A condenação da CP por acidente em passagem de nível

Entendeu a jurisprudência condenar recentemente a CP ao pagamento de uma indemnização por morte causada em acidente ocorrido numa passagem de nível. À época, ainda era a transportadora nacional quem geria a infra-estrutura ferroviária. Daí, esta condenação obrigar a CP e não a REFER, o actual gestor.
Em traços gerais, tal decisão resulta do facto, menciona o acórdão, de a referida passagem de nível não ter garantido ao automobilista um atravessamento em segurança. Ao que parece, por falta de condições de visibilidade. Note-se que este argumento já foi utilizado mais vezes em julgamentos de outros casos, mas nunca até então – pelo menos que eu saiba – fora fundamento para uma condenação da CP e/ou da REFER. E muito bem, ainda que essas absolvições tenham sido alicerçadas em factos diferentes daqueles que aqui pretendo partilhar. Nomeadamente, porque o comboio goza de “prioridade absoluta” nas passagens de nível.
Não devendo estar em causa, nesta como em situações semelhantes, o direito a indemnizações pecuniárias quando respeitados todos os procedimentos de segurança por parte dos automobilistas, importa pois saber quem verdadeiramente tem o dever de as pagar.
É um facto que a CP e as companhias que a antecederam não tiveram qualquer responsabilidade quando se construíram desenfreadamente milhares de passagens de nível por todo o país. Ainda há poucos anos, na linha de Guimarães, existia uma média de dez passagens de nível por quilómetro. Uma marca sem paralelo em qualquer outro país europeu. Em 1976, nos 3.570 quilómetros de linhas-férreas existiam cerca de 7.600 passagens de nível – uma média superior a duas PN/km. Mil e quinhentas eram públicas guardadas, 4.000 públicas desguarnecidas e 2.100 particulares.
Mas não obstante a perturbação e insegurança causadas às circulações por tão elevado número de atravessamentos, naquela mesma data a CP mantinha nos seus quadros de pessoal aproximadamente 2.000 guardas para guarnecer as 1.500 passagens de nível públicas. Ou seja, 7% dos efectivos da CP asseguravam tarefas que em nada beneficiavam o transporte ferroviário. Para além destes encargos, outros foram igualmente suportados pela CP sempre que surgiam novas passagens de nível públicas guardadas, uma vez que era necessário construir habitações e instalar cancelas.
E se os utilizadores da rodovia foram os únicos beneficiários desta incessante perversão, agora continuam a sê-lo desde o momento em que os sucessivos governos depositaram na CP, e mais recentemente na REFER, a responsabilidade quase exclusiva de suprimir em tempo recorde as passagens de nível. Na verdade, o Plano de Supressão de Passagens de Nível aprovado a 18 de Dezembro de 1997 determina que cabe à REFER, ex-Junta Autónoma das Estradas e autarquias locais desenvolverem acções conjuntas para eliminar estes atravessamentos. No entanto, “nos últimos cinco anos” foi a REFER quem “executou cerca de 97% das acções de supressão de passagens de nível”, lembra muito justamente aquela empresa.
Quer isto dizer que quem acumula maiores obrigações no sentido de reduzir o número de acidentes em passagens de nível optou antes pela sempre cómoda estratégia de “deixar que os outros o façam”. E esses, os que efectivamente não tiveram qualquer responsabilidade na implantação a esmo de milhares de passagens de nível, investiram nos últimos cinco anos 180 milhões de euros na supressão de 1.045 atravessamentos e na reclassificação de outros 295. Graças a este esforço financeiro, que deveria ter sido suportado por quem gere a rede viária e não a ferroviária, Portugal tem agora menos de uma passagem de nível por cada dois quilómetros de via-férrea – uma densidade já inferior à da União Europeia.
No entanto, quem julgou o caso apresentado no início deste texto não teve em linha de conta nada disto e, por conseguinte, errou duplamente. Por um lado, porque o pagamento da indemnização deveria de ser também suportado pelo município onde ocorreu o acidente e, caso se trate de uma estrada nacional, pela Estradas de Portugal. Pelo outro, como pode o Tribunal responsabilizar exclusivamente a CP por este acidente se já em 1930 – há 76 anos! – um decreto impedia que estrada alguma seria construída com passagem de nível?
Posto isto, quem, afinal, durante todos estes anos teve um comportamento negligente e irresponsável? Não é, pois, razoável a conclusão do Supremo Tribunal de Justiça quando este diz que “uma entidade, como o caminho de ferro, a quem é concedido o privilégio de prioridade absoluta nas passagens de nível, tem de assegurar que o cumprimento das regras de direito estradal de quem vai atravessar qualquer delas é suficiente para garantir uma travessia sem perigo de acidente".

PAULO VILA

novembro 27, 2006

Outra vez, não!

É do tempo em que porta-voz e presidente do Conselho de Gerência da CP – na altura, o cargo estava entregue a Crisóstomo Teixeira – eram dois e, simultaneamente, a mesma coisa. Nunca ninguém chegou a perceber onde acabavam as competências do primeiro e começavam as do segundo. A figura do porta-voz tinha, por isso, um papel meramente “higiénico” e as relações institucionais com a comunicação social atingiram o grau zero do despautério. Quem não se lembra das páginas de publicidade pagas inseridas em jornais nacionais onde se procurava desmentir o jornalista Carlos Cipriano?...
Ainda assim, ei-lo de volta! Carlos Madeira é novamente porta-voz da CP ou o que lhe queiram chamar, sendo que o problema não está no cargo mas naquele que o ocupa. A escolha de Cardoso dos Reis não podia ter sido mais infeliz.

Post scriptum: a chegada de Carlos Madeira à CP já começou a provocar os primeiros tumultos. Em breve, daremos notícias.

PAULO VILA

novembro 13, 2006

O jornalismo que por cá se faz

Leiam isto [seleccionar "Val e Mar - 02 de Novembro de 2006] e sintam vergonha do jornalismo que por cá se faz. E este caso é tanto mais grave quando o autor da pretensa notícia é, precisamente, o director do jornal onde esta “pérola” foi publicada.
A este e outros “exercícios literários”, certo dia Diana Andringa, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas, chamou-lhes “jornalismo de sarjeta”. Mas, para escritos como este, esta definição é já muito branda e excessivamente pudica. Porque, em boa verdade, isto é um jornalismo de…!

PAULO VILA

novembro 09, 2006

Parabéns arquitecto Santa-Bárbara!

Com 70 anos – curiosamente celebrados no mesmo dia em que Portugal assinalava o tricinquentenário do seu caminho-de-ferro [28.10.2006] – e uma vida dedicada à CP, José Manuel Ludovice Santa-Bárbara acaba de dar mais uma prova de que o simples pode, também, ser extraordinariamente bonito e eficaz.
A decoração exterior concebida por este arquitecto para as quinze Siemens 4700 adquiridas pela CP é genial e vem comprovar, uma vez mais, o talento e o enorme profissionalismo de José Santa-Bárbara. Recorde-se que foi este arquitecto quem concebeu, entre outros, um dos logótipos comerciais mais espectaculares (a opinião é pessoal, naturalmente!) com que os portugueses convivem no seu dia-a-dia: o da CP, precisamente. Trata-se, tão só, de uma das mais impressionantes representações gráficas do universo ferroviário. Visualmente atractivo e com uma geometria e linhas muito simples, o logótipo da CP transformou-se bem depressa numa marca por todos identificável.
Por isto e pelo muito que não ficou dito, aqui ficam os parabéns e o reconhecimento público ao arquitecto José Santa-Bárbara!

PAULO VILA

novembro 03, 2006

Porquê?

No post anterior [30.10.06] não fiz qualquer referência à “Exposição Comemorativa dos 150 Anos dos Caminhos-de-ferro em Portugal”, patente nas Docas de Alcântara, em Lisboa, até ao próximo dia 12 de Novembro, e à iniciativa “Cinema sobre Carris”, que acontece no mesmo local e datas. A omissão foi deliberada para agora poder voltar ao assunto, porque tal se impõe.
A qualidade da exposição é indiscutível, o conjunto é harmonioso e boa parte das fotos retrata bem a importância que o comboio assumiu no quotidiano dos portugueses, já lá vão 150 anos. As imagens e documentos ali exibidos deviam, pois, ser do conhecimento de um maior número de pessoas e não apenas daqueles que residem ou, então, têm disponibilidade (de vária ordem) para se deslocar a Lisboa.
E como o direito à cultura e à participação nas comemorações do tricinquentenário do caminho-de-ferro não são um exclusivo dos lisboetas, há uma pergunta que se impõe: estando a exposição montada em carruagens, por que razão não se faz uma itinerância, ao menos, pelas principais cidades (ferroviárias) do país? Os municípios acolheriam de bom grado a iniciativa e, deste modo, minimizar-se-ia, ainda que muito levemente, o logro que foram estas comemorações.
Adaptadas as carruagens, feito o investimento e montada a exposição, será que a CP não tem ou teve uma locomotiva para percorrer o país durante algumas semanas? Ou será que o não fez porque a REFER lhe cobraria taxas de estacionamento e/ou de utilização da infra-estrutura? Ou será de admitir, ainda, a hipótese de ambas as empresas o não terem feito por determinação ministerial? Atendendo à insignificância dos custos que esta operação traria, admitir qualquer uma destas possibilidades seria ridículo e pouco crível.
Assim, fica a impressão (e, no meu caso, a forte convicção) de que o único cuidado que presidiu à organização destas comemorações foi o de assegurar que o dia 28 de Outubro de 2006 passaria rapidamente. Enfim, é a mediocridade em todo o seu esplendor...

PAULO VILA

outubro 30, 2006

CL aniversário dos caminhos-de-ferro portugueses

Depois de uma passagem por Barca d’Alva, onde ontem também se assinalaram os 150 anos do caminho-de-ferro português, hoje apetece-me escrever sofregamente sobre as comemorações oficiais: que fiasco!...

Post scriptum I: deste fracasso generalizado exceptuam-se, no entanto, o documentário exibido na RTP da autoria de Paulo Costa – brilhante! – e o lançamento do livro Os Caminhos-de-ferro Portugueses [1856-2006], uma edição da CP.

Post scriptum II: a escolha do substantivo “fiasco” é justificada pelo facto de, por exemplo, o lançamento do anel vibratório da Durex ter tido maior impacto junto dos portugueses do que as comemorações do tricinquentenário do caminho-de-ferro.

PAULO VILA

outubro 28, 2006

Tributo a Fontes Pereira de Melo

Para se poder ter uma dimensão mais exacta da importância que o comboio teve no desenvolvimento socioeconómico das populações precisamos tão-somente de reter o seguinte dado: até ao seu aparecimento, cerca de 95% dos habitantes da Península Ibérica morriam sem nunca terem conhecido outra região para além daquela onde nasceram. E o que torna esta percentagem num valor ainda mais surpreendente é o facto de apenas terem passado 150 anos sobre a fundação do transporte ferroviário em Portugal. Naquela época, escreve a socióloga Maria Filomena Mónica, “de Lisboa era mais fácil chegar-se a Southampton do que a Bragança”. Vivia-se passivamente no obscurantismo. Não se conhecia o país, muito menos o mundo. E até a generalidade da classe política prescindia do progresso e do desenvolvimento cultural em favor de uma pretensa estabilidade social. Por sua vez, a Igreja via nos funcionários do caminho-de-ferro um bando de hereges incorrigíveis que era preciso combater.
Foi neste contexto de um Portugal aparentemente sem futuro que o génio, a coragem e a ambição de António Maria de Fontes Pereira de Melo se revelaram. Avesso à resignação, ao fatalismo e à incapacidade, é para com este homem que os portugueses têm uma enorme dívida de gratidão. Foi acusado de “despesismo” e de “regar o país com libras”, mas, após a sua morte, lembra Filomena Mónica, “todos reconheciam que Fontes transformara, de forma irreversível, o Portugal da segunda metade de oitocentos”. O jovem D. Pedro V, que via em Fontes Pereira de Melo um político “insuportável” e “arrogante”, mas partilhava com ele a obsessão pelos caminhos-de-ferro, cedo reconheceu que era na via-férrea que estava “a salvação económica do país”. Felizmente, a coragem do primeiro e a sagacidade do segundo triunfaram, lançando o país para a prosperidade.
É certo que, de uma forma ou de outra, outros houve que também contribuíram para a implantação das vias-férreas em Portugal. Mas os detractores do “progresso” reclamado por Fontes constituíam a maioria. Almeida Garrett, por exemplo, exortava o Governo a ter “juízo”. O autor de Viagens na Minha Terra repudiava as estradas “de metal” – “...que as faça de pedra, que pode, e viajaremos com muito prazer e com muita utilidade e proveito da nossa terra”. Mas, mesmo depois de construído, eis o que escreveu Teixeira de Pascoais, já em meados do século XX, sobre uma viagem por caminho-de-ferro: “As suas demoradas paragens nas estações indignavam-me contra a morosidade nacional, que até se manifestava nos comboios! Se a luz fosse portuguesa, não gastaria oito minutos, mas oito meses, para chegar do sol à terra!”. Já Alexandre Herculano, que curiosamente até considerava Fontes Pereira de Melo “uma mediocridade ambiciosa”, sabia reconhecer as virtudes do comboio. “Não, a máquina a vapor é um dom do céu, um instrumento de progresso legítimo, uma fonte de cómodos e gozos para o género humano, como o foram o arado, o navio, a imprensa, para os homens que os viram nascer”, dizia, respondendo a Bulhão Pato, outro maldizente dos projectos do general Fontes.
Não é, pois, rigorosa a afirmação recente de Luís Farinha, director-adjunto da revista História, quando diz que “Fontes Pereira de Melo já encontrou o país ansioso pela novidade de correr à estonteante velocidade de 30 quilómetros hora”. Na verdade, o fundador do Ministério das Obras Públicas não só teve de enfrentar o negativismo da oposição e, até, de alguns membros do seu próprio partido, como também a ira dos “senhores rurais”, dos “almocreves” e dos “camponeses”, dos “credores do Estado” e dos “párocos”. Enfim, Portugal preferia as estradas ao caminho-de-ferro, mas a convicção profunda de Fontes acabou por prevalecer.
De tal modo que, quando morreu, Portugal já dispunha de 1.500 kms de vias-férreas. E a título exemplificativo, note-se o facto de ter sido Fontes Pereira de Melo, enquanto presidiu ou teve lugar nos governos, quem planeou 1.775,7 kms de linhas, contra os apenas 377,6 kms. idealizados pelos executivos de que não fez parte. O mesmo é dizer que, percentualmente, Fontes projectou 82,5% dos 2.153 kms. de caminhos-de-ferro construídos ou traçados entre 1856 e 1886. Era desta forma que combatia a oposição e silenciava os críticos.
E à medida que a rede de caminhos-de-ferro se expandia, o país abriu também portas para o seu desenvolvimento cultural. Assistiu-se a uma autêntica “revolução intelectual”. Eça de Queirós, outrora muito céptico quando às virtudes da locomotiva a vapor, deixara-se então persuadir. “Pelos caminhos-de-ferro, que tinham aberto a Península, rompiam cada dia, descendo da França e da Alemanha, (...) torrentes de coisas novas, ideias, sistemas, estéticas, formas, sentimentos, interesses humanitários...”, escreveu Eça por ocasião da morte de Antero de Quental (1891). Rendeu-se por completo, anos depois, quando compôs esse prodígio literário – pelo menos para os entusiastas do caminho-de-ferro – que dá pelo nome de A Cidade e as Serras.
Fontes Pereira de Melo morreu pobre e na solidão. Enquanto viveu, “destacou-se pela honestidade” e “o país gozou de uma liberdade de expressão ímpar”, recorda Filomena Mónica, a autora da sua biografia política. Por tudo isto, Fontes Pereira de Melo deve ser hoje lembrado e homenageado veementemente.

Lisboa, 28.OUT.2006 – 150 anos depois da primeira viagem ferroviária
PAULO VILA

outubro 26, 2006

Moeda comemorativa

O Comboio Português apresenta em primeira-mão as imagens da moeda comemorativa do tricinquentenário da inauguração da linha-férrea Lisboa – Carregado. Esta edição tem um valor facial de 8€ e será lançada durante o mês de Novembro.
A cunhagem desta moeda foi aprovada na reunião de Conselho de Ministros de 23 de Fevereiro de 2006, com o intuito de “assinalar os ‘150 Anos da primeira Linha-férrea, Lisboa – Carregado’, que se comemoram no presente ano”. Da responsabilidade da Imprensa Nacional - Casa da Moeda, S.A., pretende-se deste modo marcar “a relevância do acontecimento na história do desenvolvimento económico e social do País”.

PAULO VILA

outubro 23, 2006

Empresa acumulou em 31 dias o equivalente a 85 de atraso

Comboios da CP “andam até cair”

Milhares de minutos de atraso. Avarias de toda a espécie, às centenas. Falta de limpeza, ao ponto de existirem baratas nos bares e nas casas de banho dos Inter-Cidades e Alfa Pendulares. Comboios que perdem peças e outros que se incendeiam. Descarrilamentos, supressões, falta de material operacional… Este é o quotidiano da CP, analisado através de documentos internos da própria empresa. Uma reportagem onde se demonstra, dando eco às palavras de alguns dos trabalhadores, que os comboios da CP, afinal, “andam até cair”. Os passageiros são, inevitavelmente, os mais sacrificados.

Envelhecido e causticado, as condições, já por si débeis, do parque de material circulante da CP – algum com 30, 40 e 50 anos de serviço – têm-se vindo a agravar perigosamente nos últimos meses. Isto porque, como a manutenção se revela insuficiente e, noutros casos, nem sequer acontece, tem originado sérios constrangimentos à circulação dos comboios. Colocando, por vezes, a integridade física dos passageiros em risco e provocando-lhes graves incómodos.
Uma das primeiras consequências deste desmazelo (e a mais visível, também) reflecte-se na pontualidade das circulações. De acordo com os registos da própria empresa, em apenas um mês – de 20 de Junho a 20 de Julho (período seleccionado aleatoriamente) – os comboios da CP acumularam um atraso de 122.929 minutos. O equivalente a 85 dias. E, num só dia, chegou a atingir os 8.320! Já no período entre 21 de Julho e 20 de Agosto, os atrasos na CP chegaram aos 103.822 minutos, o que equivale a 72 dias de retardamentos. Este problema é tanto mais grave se tivermos em conta que nestes números não estão incluídos os atrasos provocados pelos afrouxamentos existentes em toda a rede ferroviária, como actualmente sucede, por exemplo, na ponte Eiffel, em Viana do Castelo. Ali, devido às obras de substituição do tabuleiro rodoviário, todos os comboios atrasam, no mínimo, entre quatro e cinco minutos.
E se é um facto que uma boa parte destes atrasos se verificam na CP Carga, onde praticamente nenhum comboio circula à tabela, as restantes unidades de negócio não estão imunes a este problema. São disso exemplo a CP Porto e a CP Lisboa, que apesar de disporem de automotoras adquiridas recentemente ou, então, modernizadas, registaram naquele primeiro período, respectivamente, 2.193 e 2.303 minutos de atraso.
Nesta situação está também a CP Longo Curso, que tem a seu cargo os comboios internacionais, Inter-Cidades e Alfa Pendulares. Ainda assim, em 31 dias de exploração os comboios desta unidade de negócio registaram atrasos de 13.938 minutos. Ou, dito de outra forma, apesar daqueles comboios gozarem de prioridade sobre todos os outros, em apenas um mês contabilizaram o equivalente a dez dias de atraso. Recorde-se, a este propósito, que em 29/07/1999 “foi superiormente determinado que os comboios Alfas, Inter-Cidades e Inter-Regionais para a linha do Norte, em Porto-Campanhã, não garantem enlace a quaisquer outros comboios das linhas do Minho, Douro ou Porto S. Bento”. Apesar da insistência, a CP recusou-se a responder a várias questões e a confirmar se esta norma ainda vigora e a que outras estações se aplica, mas sabe-se que continuam a ser dadas instruções em vários pontos da rede para evitar retardamentos nas partidas daqueles comboios. Mesmo assim, os atrasos nos serviços de excelência da CP parecem ser inevitáveis.
A situação mais preocupante vive-se na CP Regional onde, tendencialmente, o serviço prestado pela CP é muito menos atractivo e eficaz. Aqui, entrar num comboio pode significar não chegar a horas a casa ou ao emprego, tantas são as ocorrências e os atrasos verificados nas circulações desta unidade. No mês em análise, os registos dão conta de retardamentos de 25.039 minutos. Aconteceu, até, de em apenas um dia os comboios da CP Regional acumularem 2.339 minutos de atraso. Regra geral, aqui, o único direito que assiste aos passageiros é a resignação. A CP apenas prevê compensações por atraso para os passageiros dos comboios internacionais, Alfa Pendulares e Inter-Cidades e, mesmo assim, o reembolso, no caso das duas últimas categorias, só é concedido em 50% se o atraso for “de 60 até 90 minutos”, e “é de 100%” no “caso de atraso superior a 90 minutos”.

Anomalias nos comboios são aos milhares

E embora uma parte destes atrasos seja motivada pelo estado e condições em que a infra-estrutura é disponibilizada ao operador – da exclusiva responsabilidade da REFER –, o certo é que, na sua grande maioria, eles acontecem muito por culpa das condições em que o material circulante se encontra. E, de novo, a falta de manutenção é a principal causa.
Ao longo das 682 páginas de registos consultados para elaborar esta reportagem, foram identificadas 2.613 perturbações nas circulações da transportadora nacional. E, uma vez mais, a CP Carga, CP Regional e CP Longo Curso encabeçam a lista destas ocorrências. A unidade responsável pelo transporte de mercadorias soma 812 incidentes; a CP Longo Curso, um expressivo e inquietante registo de 539 ocorrências, enquanto a CP Regional eleva para 899 o número de anomalias verificadas num só mês. Igualmente devido ao melhor estado do material circulante, a CP Lisboa (238) e a CP Porto (125) são as unidades que apresentam menor registo de ocorrências. De resto, o maior problema em todos estes mais de dois milhares e meio de incidentes é que 445 dizem respeito a “avarias com material motor”. Ou seja, de entre todas as anomalias verificadas, cerca de um sexto corresponde a avarias com um grau de empanagem muito elevado. De mais a mais, nestes documentos há registos de muitas outras “avarias com material motor” que, no entanto, nem sequer foram contabilizadas por terem sido solucionadas por acção dos maquinistas. Nesta contagem também não estão incluídas as “avarias com material rebocado”, que são inúmeras.
Problemas com a climatização e WC’s, portas bloqueadas, iluminação deficiente e fugas de ar e água estão entre as avarias mais frequentes. E nem os Alfa Pendulares e os Inter-Cidades escapam a este flagelo tendo, por vezes, no caso dos primeiros, que ser substituídos por outras unidades já sobre a hora da partida. Há, também, diversos registos de avarias nos sistemas de pendulação activa dos Alfas, que, regra geral, por só serem possíveis de solucionar nas oficinas, são colocados “fora de serviço”. Ora, o bom desempenho do Alfa Pendular no que diz respeito a velocidades mais elevadas depende, fundamentalmente, da pendulação activa [sistema que auxilia o comboio a inclinar-se em curva] se encontrar ou não ao serviço. E, quando não está, os atrasos sucedem-se, uma vez que a velocidade média tem que ser reduzida em 30 quilómetros.

Passageiros – os mais sacrificados

Não é possível, contudo, saber com exactidão qual o verdadeiro número de avarias daquele tipo. É que, em muitos casos, como elas persistem e não são reparadas, os agentes não as voltam a comunicar e, como tal, não existem registos. Aliás, mesmo quando são avarias graves, ainda que comunicadas, a falta de material obriga a que circulem em condições pouco recomendáveis e passíveis de provocar grandes transtornos aos passageiros. Foi o que aconteceu a 17 de Julho na linha da Beira Baixa, com uma automotora que efectuou cinco comboios com apenas um motor. Lê-se no registo que “a utilização desta automotora nos referidos comboios” foi “justificada pelo excesso de [veículos] imobilizados.” Há relatos de várias situações como esta.
Por outro lado, são muitos os casos em que “devido ao excesso de imobilizações de material” de diversas séries, é necessário alterar-lhe a rotação ou, até, suprimir os comboios. No dia 23 de Junho, por exemplo, na sequência de uma avaria que originou 420 minutos de atraso e, ainda, “devido (…) ao excesso de imobilizações de material automotor na Figueira da Foz, foi necessário deslocar” uma automotora “do Entroncamento para a Figueira da Foz (…) para garantir todos os comboios da linha do Oeste e do Ramal da Figueira.” Ainda pelo mesmo motivo, e também no dia 17 de Julho, na linha da Beira Baixa, a CP teve que recorrer ao aluguer de vários táxis e autocarros para assegurar as ligações dos nove comboios que “foram suprimidos em todo o trajecto”. Também noutras linhas há registos do aluguer de vários autocarros e táxis para efectuarem “transbordo rodoviário” motivado pelo “excesso de imobilizações” de material circulante.
Acontece, também, que noutras situações o mesmo comboio é feito com diversos tipos de material, o que obriga os passageiros a fazer transbordos a meio da viagem, causando-lhes incómodos e atrasos irrecuperáveis.
As linhas urbanas têm sido igualmente afectadas por estas anomalias. “Por falta de material operacional”, no dia 11 de Julho, foram suprimidos uma circulação especial e dez comboios da “família S. Pedro”, na linha de Cascais. Das cinco unidades que ali prestam serviço, uma apresentava “avaria no conversor auxiliar”, outra estava “a tornear rodados”, uma outra tinha “avaria no ar condicionado” e as restantes, uma “devido a incêndio” e a outra por razões não especificadas, encontravam-se nas oficinas. A opção pela supressão dos comboios é, um pouco por toda a rede, uma solução recorrente. Mas, para além dos transtornos que causa aos passageiros, obriga a empresa a fretar ao exterior meios para garantir os transbordos rodoviários.
E se o material de que a CP dispõe é manifestamente insuficiente para assegurar todas as circulações, como se tem verificado, sempre que é necessário prestar socorro aos comboios que ficam retidos em plena via por motivo de avaria, a espera prolonga-se incessantemente por várias horas. Foi o que sucedeu no dia 20 de Julho, na linha do Leste, após um comboio regional ter ficado retido no apeadeiro de Santa Eulália. A avaria aconteceu às 5h52, mas a automotora só foi retirada dali às 10h21. Quatro horas e 29 minutos depois… E, como sempre que tal acontece, naquelas linhas ou troços não é possível fazer circular outras composições, os comboios têm de ser suprimidos e substituídos por autocarros e táxis.
Ainda assim, logo que chegou à CP, António Ramalho, o anterior presidente da CP, começou a vender material circulante à Argentina para realizar alguns milhões de euros de receita. Com isto, entre 2003 e 2005, o material motor e automotor afecto à exploração sofreu uma diminuição de 17%. No mesmo período, o índice de fiabilidade das locomotivas e automotoras a diesel decresceu substancialmente.

Incêndios, perda de peças, descarrilamentos, falta de limpeza...

Na origem de todos estes constrangimentos na circulação dos comboios está, como ficou exemplificado, a falta de manutenção, subjacente a uma lógica do “deixa andar”. Em tom irónico, alguns dos funcionários abordados durante esta reportagem optam antes por dizer que os comboios da CP “andam presos por arames”. Mas, em alguns casos, a avaliar pelos exemplos recolhidos, alguns nem por arames estão presos.
No dia 6 de Julho, em Alverca, na linha do Norte, por exemplo, os passageiros de um Alfa Pendular tiveram que mudar de comboio “devido à placa do sistema de ar condicionado” do Alfa em que seguiam “se ter soltado” e danificado a catenária e a própria composição. A este propósito, diz o relatório daquele dia que, no local, “encontrava-se uma chapa de grandes dimensões que se concluiu fazer parte do sistema de ar condicionado” do referido comboio.
Alguns dias depois, na linha de Cascais, “um cliente” informou a tripulação que, durante um cruzamento, “caiu para a via um vidro” de uma das carruagens. A outra automotora ficou com “dois vidros partidos” e, “por falta de material de reserva, foram suprimidos” quatro comboios.
A atestar as acusações feitas pelos próprios funcionários, está o acidente grave verificado com um comboio de mercadorias, no dia 22 de Junho, na linha do Norte. Conta o relatório daquele dia que, na estação da Granja, uma locomotiva “perdeu (…) o reservatório de óleo e em plena ponte de S. João (…) teve princípio de incêndio dentro do compartimento de alta tensão, provocando fumo preto e tóxico.” Duas semanas depois, na linha do Sul, um Inter-Cidades “esteve retido em Setubal-Mar, das 21h06 às 22h54, devido a avaria da locomotiva”. “Ouviu-se um estrondo forte e ficou cheia de fumo”, lê-se no registo, que confirma ainda que o comboio ficou retido e a locomotiva teve que ser substituída por uma outra encaminhada de Santa Apolónia. Igualmente com um comboio de passageiros, desta feita na linha do Norte, no dia 27 de Junho um Inter-Cidades “esteve retido na estação do Entroncamento (…) para substituição da locomotiva”. A paragem foi justificada, calcule-se, pelo facto de a máquina apresentar “folga num dos bogies [rodados]”.
De tão frequentes e caricatos, as circunstâncias em que estes acidentes ocorrem bem como as suas implicações são, por vezes, até, relatadas com ironia pelos inspectores que os registam. A “locomotiva 5611 tem os retrovisores avariados na cabina 1. Um não abre, outro não fecha”, menciona o relatório. Uma outra locomotiva “só metia força se se desligasse a climatização”, e teve de ser substituída. Na mesma viagem, um Alfa Pendular circulou com “portas avariadas, a climatização só funcionava do lado direito do sentido da marcha e o forno e micro-ondas não aqueciam”. Mais: “circulava apenas com 50% de capacidade de tracção” e, no mesmo dia, já tinha “avariado em Alverca”, onde esteve retido 61 minutos.
De notar, também, que este tipo de avarias é sempre registado pelos maquinistas no “diário técnico de bordo” que acompanha os comboios para, assim, se proceder à reparação. Mas, como comprovam os registos de várias ocorrências, não obstante “já se encontrarem mencionadas” nos diários técnicos de bordo, as avarias persistem porque não são reparadas. O descuido atinge proporções de tal ordem que há registos que dão conta da existência de locomotivas a necessitarem de “mudar os cepos [calços do freio] devido ao mau estado” em que se encontram.
Por último, e a crer ainda nos registos diários de ocorrências, a falta de limpeza é comum a muitas circulações. Surgem, por isso, casos em que se procede ao envio do material circulante para a realização dos comboios “sem condições de utilização pelos clientes, com muita sujidade, revelando falta de limpeza.” Na verdade, sobretudo nos comboios regionais, é frequente as carruagens revelarem um estado de imundice tal que, por vezes, utilizar uma casa de banho é uma tarefa absolutamente impossível. Contudo, os problemas de falta de limpeza afectam também os melhores comboios da CP. Há registos de comunicações feitas pelos revisores alertando para a existência de baratas nos bares dos Alfa Pendulares e nos WC’s das carruagens dos Inter-Cidades.
Já quanto a descarrilamentos, no mês em análise há registo de seis, embora nenhum deles tenha envolvido comboios de passageiros. Todos os acidentes atingiram circulações da CP Carga, tendo o mais grave provocado o descarrilamento de 11 vagões à saída da estação de Pegões, na linha do Alentejo. Aqui, dada a gravidade e proporções do acidente, a circulação esteve suspensa durante dois dias para reparação da via e catenária. Três dias depois, a 18 de Julho, em Fontela, na linha do Oeste, duas locomotivas e dois vagões descarrilaram ao passar por uma agulha. Na linha do Minho, a tripulação de um comboio de passageiros “sentiu uma forte trepidação” à entrada do túnel de Seixas. Feitas as verificações, concluiu-se que a “cabeça” do carril tinha partido numa extensão “de mais ou menos 30 centímetros”.
No mesmo período, facto positivo, há somente registo de apenas quatro assaltos no interior de comboios. Dois na linha de Sintra, e outros dois na de Cascais. No dia 29 de Junho, dá-se conta de que à passagem de um comboio urbano em Arentim, no ramal de Braga, a circulação “foi atingida por um tiro de arma (pistola?), tendo o projéctil perfurado a chapa” de uma das portas. E entre várias situações de que resultaram vidros partidos, há uma que se destaca pelo caricato. Nos dias 5, 7, 14 e 20 de Julho, na linha do Norte, ao cruzar em plena via, o mesmo comboio de mercadorias “formado por vagões abertos, vazios, de transporte de areia”, partiu os vidros frontais de quatro automotoras da CP Porto. Mais estranho ainda, é que de todas as vezes “não foi notada qualquer anormalidade na composição” que provocou a quebra dos vidros.
Foram também contabilizados 102 actos de vandalismo, na sua maioria por apedrejamento e pinturas de grafittis no material circulante. Neste último caso, a vandalização ocorreu maioritariamente “durante a noite” e, embora não seja feita essa referência, sabe-se que aconteceu por falta de vigilância. Valença do Minho, onde diverso material foi graffitado, é um desses exemplos.

Material circulante não resiste às altas temperaturas

A debilidade do material circulante da CP é, pois, de tal ordem que até a temperatura do ar tem grande influência sobre os comboios. Comparando o número de avarias com a temperatura máxima registada em Portugal naquele período, verifica-se que a relação é directamente proporcional. Senão, atente-se no dia em que se registou o valor mais elevado da temperatura do ar, a 12 de Julho, de acordo com os dados disponibilizados pelo Instituto Geofísico do Infante D. Luiz. Aqui, o termómetro chegou aos 36 ºC (valores médios da temperatura máxima em todo o país) e, tanto a CP Regional como a CP Longo Curso, apresentaram o número mais elevado de ocorrências de todo o mês. As avarias com o material motor atingiram, também naquele dia, o valor mais alto de sempre: 28. No dia anterior, os 32,2 ºC foram suficientes para, tanto a CP Lisboa como a CP Carga, registarem recordes no número de perturbações, razão pela qual as avarias com o material motor chegaram também às 28. Por oposição, o dia do mês em análise onde as ocorrências se verificaram em menor número foi também aquele onde se registaram os valores mais baixos da temperatura: 21,6 ºC. Neste dia, em 25 de Junho, o número de ocorrências verificado em todas as unidades de negócio foi de apenas 34, havendo somente a registar seis avarias com o material motor. Este valor subiu para 8, no dia 20 de Junho, altura em que a temperatura não ultrapassou os 23,6 ºC.
E é extensa a frota de material circulante da CP que, por culpa do desgaste e da falta de manutenção, fraqueja sempre que a temperatura se eleva para além dos valores habituais. Nas linhas do Algarve, Beira Baixa e Douro, as automotoras que ali prestam serviço circulam constantemente com apenas um motor devido às altas temperaturas. E, por vezes, até o que fica a funcionar soçobra, tal é o esforço a que é submetido. Recentemente, na linha do Douro, um comboio procedente da Régua, formado por duas automotoras, chegou ao Porto às 21h30 com as luzes totalmente apagadas e mais de meia hora de atraso. Tudo porque, devido à temperatura elevada, os motores de uma das automotoras avariaram e, como tal, teve que ser rebocada. Sem que aquela produzisse ar nem energia, a que ficou em funcionamento só suportou o esforço após o sistema de iluminação ter sido colocado fora de serviço. Caso contrário, ficaria sem comandos para prosseguir a viagem.
“Ao que chegou a CP”, é o comentário mais vezes repetido pelas dezenas de ferroviários contactados para esta reportagem ao longo dos últimos meses.

Causas resultam da “estratégia” delineada por António Ramalho

Todos estes casos são uma consequência directa da gestão de António Ramalho que, para não onerar os custos com a exploração ferroviária, racionalizou os gastos com a manutenção. Os resultados desta medida não foram, contudo, devidamente ponderados e os efeitos têm-se revelado confrangedores e perigosos. Citando o próprio Ramalho durante a apresentação das contas do exercício, em Abril passado, pode também dizer-se que este é o “resultado das políticas de contenção implementadas em 2005”.
Assim que chegou à CP, em Setembro de 2004, António Ramalho comprometeu-se a “assegurar um resultado operacional equilibrado num prazo de cinco anos” e a fazer da CP “a melhor empresa de transporte ferroviário da Península Ibérica”. O “resultado operacional equilibrado”, dizia o ex-presidente, passava por, em apenas cinco anos, reduzir a zero o défice com a exploração ferroviária. Ou seja, as receitas teriam, no mínimo, que cobrir todos os encargos resultantes do transporte de passageiros e mercadorias.
Em 2005, único ano completo de António Ramalho na CP, a empresa perdeu mais três milhões de passageiros, o que representou uma quebra importante nas receitas. Foi também anunciado que “a CP Longo Curso tornou-se na primeira unidade de negócio a atingir o ‘breakeven’ operacional. A taxa de cobertura dos custos operacionais saldou-se em 102%, tendo o resultado operacional atingido 1,1 milhões de euros”, disse-se. Porém, o ex-presidente faltou à verdade já que, como o próprio reconheceu numa reunião de altos quadros a 22 de Junho, esta unidade de negócio não atingiu aqueles resultados, mas antes teve um prejuízo de 100 mil euros. O défice de passageiros transportados por quilómetros também se agravou. Ainda assim, em apenas um ano, António Ramalho arranjou forma de reduzir os prejuízos da CP em 60 milhões de euros. Tudo porque, como afirmou na referida reunião, “uma empresa sem ambição não é uma empresa é um ‘centro de dia’”.
Os gastos com a manutenção foram sempre uma preocupação de António Ramalho. De tal modo que, notícias vindas a público recentemente, responsabilizam-no pela suspensão, já no primeiro semestre deste ano, das ordens de compra à empresa que faz a manutenção dos comboios da CP – a subsidiária EMEF –, para, assim, evitar a facturação de encargos na ordem dos cinco milhões de euros. Aliás, em carta enviada em Julho último a António Ramalho, revelou o jornal Público, o ex-presidente da EMEF, Correia Távora, acusa-o de, através de uma “cosmética contabilística, prejudicar o futuro da empresa”. E vai ainda mais longe ao dizer que “há limites éticos para tudo, inclusive o de ‘mascarar’ resultados económicos de empresas que não sejam nossas”.
De resto, quer alguns dos sindicatos do sector bem como ferroviários ouvidos durante esta reportagem confirmam que o conselho de gerência presidido por António Ramalho ordenou que se procedesse a uma diminuição nos custos da manutenção. Mas, como adverte o Sindicato Nacional Democrático da Ferrovia, “Ramalho era um homem de sorte. Cardoso dos Reis nem por isso...”. É que a “estratégia” delineada pelo primeiro, que em Julho passado abandonou o cargo para presidir à Unicre, tem vindo a provocar muitos amargos de boca a Cardoso dos Reis, que entretanto o substituiu na CP.

Nota: uma eventual utilização desta informação para fins editoriais está sujeita à prévia autorização do seu autor.

PAULO VILA paulovila@mail.telepac.pt

outubro 20, 2006

No planeta dos macacos...

Quem conhece a história grandiosa da CP reconhecerá, por certo, que ela tem vindo a ser malbaratada nos últimos anos pela contratação de “cérebros” generosamente incompetentes. Existem em grandes quantidades – para desgraça de todos nós! – e as suas aptidões não vão muito para além de conseguir distinguir que entre o caril e um carril só o primeiro pode comer-se. Enfim, são uma subespécie biológica do Homo sapiens sapiens, mas, ao contrário da espécie genuína, estes são duplamente estúpidos. E, por onde passam, deixam marcas profundas da sua confrangedora incapacidade. Espojam-se em gabinetes cuidadosamente identificados com o nome de baptismo, mas tratam-se e fazem questão de serem tratados por “doutor” ou “engenheiro”, consoante as situações. O género é variável, sendo frequente na espécie feminina assistir-se a um dos mais repugnantes actos do ser humano: a traição. Por último, em ambos os casos, a honestidade intelectual e a verticalidade são palavras que estes “cérebros” deglutiram numa qualquer refeição algures entre a adolescência e a idade adulta.
Vem este preâmbulo a propósito do mais recente episódio protagonizado pela CP depois de o Jornal de Barcelos ter conseguido provar categoricamente que aquela empresa fez durante mais de vinte anos aditamentos ilegais à Tarifa Geral de Transportes (TGT). Nada mais, nada menos do que a lei que regula as condições do contrato de transporte ferroviário de passageiros. Resumidamente, a CP passou a cobrar pelos bilhetes mais do que a legislação lhe confere. Para que se perceba a relação entre uma coisa e outra, esta investigação é da minha autoria.
Ora, para reforçar ainda mais aquela tese, o Jornal de Barcelos solicitou à empresa ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA) as “provas do crime”. Que são, tão simplesmente, “documentos de acesso livre e generalizado” a que qualquer cidadão tem o direito de aceder. E o que fez a CP? Respondeu dizendo que (os mais comprometedores) não podem ser divulgados porque contêm “regras internas não susceptíveis de divulgação”; que outros pertencem a um departamento que “já não existe há décadas”, e que outros ainda, precisamente os aditamentos ilegais que a CP fez à TGT durante mais de duas décadas, não passam de uma invenção do autor deste texto. Mas para dar mostras de boa vontade e transparência, disponibilizou-se para ceder “centenas de páginas” de outros documentos de conteúdo absolutamente inócuo. E, por estes, exigiu “o prévio pagamento (...) do custo das respectivas fotocópias, ao custo unitário de 0,20€”.
A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), na sequência da queixa apresentada pelo Jornal de Barcelos contra a CP, é peremptória no seu parecer: a empresa não tem base legal para recusar fornecer os documentos; não pode exigir o seu pagamento prévio e está a cobrar por cada fotocópia dez vezes mais do que a lei lhe permite. Mas o mais hilariante de tudo isto é que o Gabinete Jurídico e Contencioso da CP argumenta que se trata de um valor “meramente simbólico”. Ou seja, cobrar na moeda antiga 40$00 por uma fotocópia A4 a p/b é, para estes “cérebros” da CP, um valor perfeitamente desprezível.
A CP e todas as outras companhias que lhe antecederam nos últimos 150 anos merecem a admiração e o reconhecimento públicos pelo extraordinário contributo que dispensaram a Portugal. Na verdade, o comboio foi o motor do desenvolvimento económico, social e cultural de um país com que Fontes Pereira de Melo sonhava. Mais moderno, mais europeu, mais instruído... Enfim, mais progressista. E em toda esta história a CP teve, como se disse, uma função preponderante, na qual os ferroviários prestaram um grandioso e inestimável tributo. Foram eles, através de grandes sacrifícios e de muita abnegação, o garante do sucesso em que o transporte ferroviário depressa se transformou.
Não se pode, pois, tolerar que uns quantos troles-boles desejosos de mostrar serviço para “agradar ao chefe” ponham agora em causa o prestígio e a dignidade de uma empresa como a CP. Recusar aceitar que há mais de vinte anos a transportadora ferroviária nacional tem vindo a introduzir alterações na TGT “à revelia da lei”, é grave, como já o reconheceu a própria secretária de Estado dos Transportes. Mas que, depois disso, e para impedir o acesso a informação de grande interesse público, se pretenda continuar a não respeitar as leis da República, é caso que não pode ficar impune.
É que não obstante a CADA ter considerado infundadas e inoportunas as explicações apresentadas pelo Gabinete Jurídico e Contencioso da CP, este “mantém a sua posição” de não acatar as recomendações daquela Comissão. A ver vamos até quando...

PAULO VILA

outubro 16, 2006

Os carrascos da memória ferroviária

Fosse vivo Fontes Pereira de Melo e cobriria de ridículo o bando de indigentes que tão-somente resolveu ignorar as comemorações dos 150 anos do caminho-de-ferro português. E contrariamente ao que se possa pensar, este tipo de linguagem é, até, muito complacente face à dimensão do sucedido.
Exceptuando o documentário do jornalista Paulo Costa que será exibido a 26 de Outubro na RTP, três dias antes da data em que se assinala o tricinquentenário sobre a inauguração do troço Lisboa-Carregado, tudo o resto não passam de iniciativas balofas. E se a REFER ainda procura convencer-nos de que as actividades que tem vindo a desenvolver – alguém deu por alguma coisa? – são as mais adequadas e fazem justiça ao momento, a CP nem esse esforço faz. Herdeira de um passado histórico glorioso, a transportadora nacional optou antes por “ver passar a carruagem”. Comportamento típico de quem despreza a memória colectiva e acha que o que faz está bem feito. É o apedeutismo em todo o seu esplendor…
E, já agora, o que dizer do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações que desde o início do ano promete divulgar um programa de comemorações que ainda ninguém conhece? Fraca gente esta a quem foi confiada a tarefa de fazer dos 150 anos do caminho-de-ferro português mais do que um dia de festa. Mas, também, um momento de homenagem a todos aqueles que, como disse Jorge Palma, “desde o princípio do sonho (…) construíram, têm vindo a construir, a tornar realidade, e à volta do qual tantos outros sonhos, os nossos – os dos viajantes – se foram concretizando”.

PAULO VILA

agosto 04, 2006

A ponte rodo-ferroviária de Viana do Castelo e o seu estado

As auto-denominadas “Comissão de Utentes da Ponte Eiffel de Viana do Castelo” e “Associação de Moradores do Cabedelo”, ajudadas por alguma comunicação social, querem-nos fazer querer a todo o custo que ponte rodo-ferroviária daquela cidade está na eminência de ruir. Uma delas conseguiu, até, através de umas quantas fotografias tiradas especialmente para o efeito, que um engenheiro metalomecânico emitisse parecer sobre o estado da ponte. E este fê-lo, sem quaisquer rigor ético nem científico, dizendo que se toda a travessia estiver nas condições documentadas pelas fotos, a ponte pode mesmo ruir.
Há dois anos, quando um cabo de pré-esforço partiu, a mesma “Associação de Moradores do Cabedelo” concluiu prontamente que aquele era um sinal claro do desgaste da ponte. E que, de acordo com uma prospecção feita na altura aos pilares, a ameaça de o tabuleiro colapsar era real. Esta “certeza” foi novamente confirmada há algumas semanas por um jornal que, citando fonte não identificada do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), veio dizer “que os problemas detectados recentemente em dois dos pilares podem levar ao encerramento definitivo da ponte, incluindo o tabuleiro ferroviário.” Para fundamentar (e, sobretudo, dramatizar) ainda mais o caso, o jornal descobriu que, “embora devagar, os comboios continuam a circular (…) a cinco quilómetros por hora”.
Pois bem! Os comboios não “continuam a circular a cinco quilómetros por hora”, mas a dez. E este afrouxamento foi imposto não por falta de segurança da ponte, mas devido aos trabalhos que decorrem no tabuleiro rodoviário.
E, já agora, para os mais cépticos convém lembrar o seguinte: o tabuleiro ferroviário não oferece qualquer restrição de carga. As únicas limitações são, apenas e tão só, as impostas pela tracção das locomotivas ou pela resistência dos engates. Antes das obras iniciarem, a ponte Eiffel suportou, e tudo aponta para que continue a suportar concluídos os trabalhos, a passagem de duas locomotivas em dupla tracção, da série 1960, cada uma pesando 120 toneladas. Ora, para que se possa estabelecer um termo de comparação, dizer que a circulação deste tipo de locomotivas nunca foi autorizada na ponte Maria Pia, no Porto.
De resto, as restrições à circulação ferroviária na ponte Eiffel de Viana do Castelo têm vindo, nos últimos anos, a ser minimizadas. E não o contrário! As locomotivas da série 1400, por exemplo, só ali estavam autorizadas a circular em dupla tracção desde que separadas uma da outra por 60 metros. Já assim não é!
Para tal, contribuíram decisivamente as obras que nos últimos anos ali foram feitas e sobre as quais as referidas comissões nada dizem. Para que conste, em 1978 o tabuleiro ferroviário foi reforçado; em 1986, em conjunto com a extinta Junta Autónoma das Estradas, foram feitos trabalhos de consolidação dos pilares; a conclusão da substituição do viaduto de acesso ferroviário do lado de Viana do Castelo deu-se em 1989; cinco anos depois, em 1994, as vigas principais foram reforçadas pelo valor de 420.000 contos; e, em 2004, foram realizadas obras de manutenção e substituição dos cabos de pré-esforço, cuja empreitada custou 307,500 euros.
Como podem agora estas comissões e todos quantos estão dispostos a fazer análises irreflectidas sobre o estado da ponte fazer-nos crer que ela “a todo o momento pode partir e ocorrer um acidente grave que ninguém quererá ter memória”?
“No aspecto da segurança, a ponte de Viana não nos oferece qualquer tipo de preocupação”, contrapõe Rui Reis, porta-voz da REFER, em declarações ao autor deste texto.

PAULO VILA

julho 19, 2006

Pobre país este que tais ministros tem

Há cerca de duas semanas, o Partido Ecologista “Os Verdes” veio a público dizer que tinha recebido do ministro das Obras Públicas, Mário Lino, a “confirmação clara” de “que as linhas-férreas não rentáveis são para encerrar”. Ainda de acordo com os ecologistas, deste lote fazem parte o que resta das linhas do Tua, Corgo e Tâmega, e os ramais da Figueira da Foz e Cáceres.
De visita a Bragança, também por estes dias, o mesmo Mário Lino lá foi dizendo que “existem algumas linhas que não têm procura, pelo que é insustentável manter um troço que as pessoas não querem utilizar.” Pois é! Como se não gozasse de todas as comodidades e mordomias ministeriais, Mário Lino acha-se no direito de concluir que são “as pessoas não querem utilizar” o comboio. E, ao fazê-lo, só por desonestidade intelectual é que omite que esse comboio que “as pessoas não querem utilizar” continua a circular à mesma velocidade de há 150 anos, em menor número e em condições que, objectivamente, não serve ninguém.
É claro que, em relação à linha do Tua, compreende-se perfeitamente o esforço de Mário Lino. Os estudos que estão a ser elaborados para a construção de uma barragem na foz do rio Tua prevêem, num dos casos, o alagamento do troço da via-férrea entre Tua e Cachão. Tudo em nome do “interesse nacional”, dirá, por certo, Mário Lino.
Mas, mudando novamente de agulha, importa lembrar que esta discussão em torno do encerramento das linhas de reduzido tráfego, já não é nova. Pelo contrário. É recorrente e acontece sempre que se procura emagrecer a despesa do Estado e, também neste caso, a da própria CP. A argumentação é sempre a mesma: hoje em dia a utilização do modo de transporte ferroviário não se justifica económica e socialmente nos casos em apreço.
Foi, aliás, com base neste pressuposto que se elaborou o Plano de Reconversão Ferroviária que conduziu ao encerramento, entre 1988 e 1994, de 814 km de linhas-férreas. Nada mais, nada menos do que 23% da rede total. Os 3.610 km foram, então, reduzidos para 2.796 km.
João Oliveira Martins, o ministro responsável por esta ruinosa decisão, justificava-a deste modo: “o prolongamento, nos próximos decénios, da exploração em toda a rede actual, modernizando-a, seria um dispêndio de recursos materiais e humanos enorme, sem benefícios económicos e sociais que o justificassem.” Acabou, depois, a dizer, talvez para disfarçar a grosseria do erro, que “as suspensões de exploração levadas a cabo pela CP nem sempre respeitaram rigorosamente as orientações estabelecidas pelo Governo para o encerramento provisório ou definitivo das linhas de reduzido tráfego.”
Convém, pois, recordar que nas últimas três décadas o caminho-de-ferro não foi só amputado em mais de 1.000 kms de via – supostamente, os mais deficitários. Viu também perder as mercadorias a detalhe – sem que se perceba porquê, já que em 1974 o transporte de mercadorias representava 25% das receitas da CP – e assistiu à dispensa de largos milhares de funcionários. Dos 26.483 efectivos que a empresa tinha nos seus quadros em 1970, restam nos dias de hoje menos de 5.000. A exploração ferroviária feita com locomotivas a vapor foi substituída pela tracção a diesel e, noutros casos, esta pela tracção eléctrica. Para dar lugar à liberalização do sector, o “fardo” da manutenção e gestão da infra-estrutura ferroviária foi transferido para a REFER. Como tantas outras, estas medidas foram sempre justificadas com base na necessidade de reduzir os prejuízos da CP com vista ao seu saneamento financeiro.
Pois bem! E qual foi, então, o resultado preciso de algumas destas sábias decisões? A resposta foi dada o ano passado através da auditoria à CP realizada pelo Tribunal de Contas. “De acordo com os critérios normalmente usados, a CP encontra-se em falência técnica, não cobrindo o valor contabilístico que possui, as dividas a terceiros (bancos e fornecedores)”, lê-se no documento. De resto, o relatório responsabiliza fortemente o Estado pela situação em que se encontra a transportadora nacional, dando, até, alguns exemplos. “O protelamento das dívidas à CP, pela concessão nos benefícios no transporte ferroviário, de montante muito significativo, por parte das entidades oficiais responsáveis pelo seu pagamento, tem constituído um forte constrangimento à empresa sobretudo no contexto da difícil situação financeiro que a mesma tem vivido, em nada contribuindo para a sua solução”, escreveu o Tribunal.
Mas, depois de tudo isto, o ministro dos Transportes age como se nada tivesse acontecido e prepara-se para cometer o erro dos seus antecessores. Pouco importa a Mário Lino se entre 1994 e 2005 a CP perdeu em média anualmente 5,5 milhões de passageiros. Ou, por outro lado, se a empresa continua a não ter uma estratégia de fidelização e captação de novos clientes, visando um significativo aumento da receita. Não! A única coisa que parece preocupar Mário Lino é a fraca rendibilidade de algumas linhas que, goste-se ao não se goste, são estratégicas para o desenvolvimento turístico das regiões.

PAULO VILA

julho 13, 2006

Finalmente!

Hoje é um dia de glória para o caminho-de-ferro e, sobretudo, para a CP. António Ramalho, o pior presidente que a empresa teve desde que há memória, foi finalmente exonerado.

“8. Resolução do Conselho de Ministros que exonera, a seu pedido, o licenciado António Manuel Palma Ramalho do cargo de presidente do conselho de gerência da CP – Caminhos de Ferro Portugueses, E.P. e nomeia os licenciados Francisco José Cardoso dos Reis e Paulo José da Silva Magina, respectivamente, para os cargos de presidente e de vogal do conselho de gerência da mesma empresa.

Esta Resolução procede à exoneração, a seu pedido, de António Manuel Palma Ramalho do cargo de presidente do conselho de gerência da CP - Caminhos de Ferro Portugueses, E.P. e nomeia, sob proposta do Ministro dos Transportes, Obras Públicas e Comunicações, para o período disponível do mandato em curso, Francisco José Cardoso dos Reis e Paulo José da Silva Magina, respectivamente, para os cargos de presidente e de vogal do conselho de gerência da CP - Caminhos de Ferro Portugueses, E.P.”

“A seu pedido”, claro! De quem mais houvera de ser? Jesus Cristo não tem tempo para se ocupar com estas coisas. E tanto o ministro dos Transportes como a secretária de Estado, embora menos ocupados, convenceram-se de que António Ramalho poderia “operar” na CP alguns dos milagres do Salvador. Vindo de quem veio, chegar a ser comovente!...
De resto, o como o programa das comemorações dos 150 anos do caminho-de-ferro português permanece em segredo de Estado por determinação superior do Ministério dos Transportes, esta exoneração arrisca-se mesmo a ser o acto mais marcante e positivo na celebração deste tricinquentenário.

Seja bem-vindo eng.º Cardoso dos Reis.

PAULO VILA

junho 09, 2006

E se tivessem a bondade de me dizer porquê

A edição do jornal Público de 5 de Junho último veio acompanhada de um suplemento inteiramente dedicado à REFER, cujo financiamento foi assegurado por um significativo número de empreiteiros e de outras empresas que dela dependem. Até aqui, nada de novo, é certo!
Miserável do ponto de vista gráfico e com um conteúdo propagandístico – repetindo-se por vezes, até! –, a abordagem que é feita em cada um dos assuntos nele contido deixa-nos, pelo menos, perceber uma coisa: o património desactivado vai continuar a não merecer os cuidados necessários e cada vez mais urgentes para a sua salvaguarda. Porém, para que se não diga que o assunto nem sequer foi abordado, o dito suplemento trás reproduzida na antepenúltima página a lenga-lenga do costume: “o sentido de utilidade pública e de desenvolvimento sustentável que a REFER procura dar à preservação do património colectivo aplica-se quer em linhas abertas ao tráfego de passageiros quer em canais desactivados”. No site da empresa, esta verborreia não varia muito: “quanto ao património edificado, é preocupação da REFER a implementação de soluções que permitam a sua reutilização e rentabilização por forma a que desempenhem novas funções úteis à comunidade”. Mas será que não há ninguém que, ao menos, reescreva esta patranha para não parecer tão mal? É que já são muitos anos a dizer e a prometer sempre o mesmo…
Em boa verdade, o que tem vindo a ser preservado ou acontece por inércia ou por iniciativa de um ou outro município consciente da importância de preservar a memória ferroviária. Ainda assim, a REFER continua a fazer-nos crer que está empenhada em “pôr termo à actual degradação/vandalização do património desactivado”. Só por brincadeira o dizem!... Tenho, para mim, que o gestor da infra-estrutura ferroviária tem tanta aversão pelo património desactivado como Mafoma tinha pelo toucinho.
Isto porque, exceptuando meia dúzia de casos, tudo quanto a REFER tem feito pela preservação e valorização do património edificado resume-se a emparedamentos de estações, apeadeiros e casas de guarda de PN. Nada mais do que esta vergonha! Em quase dez anos, a empresa responsável pela gestão da infra-estrutura ferroviária ignorou por completo o estado de perfeito abandono e de delapidação de um património magnífico. E nem sequer no ano em que se comemora o tricinquentenário dos caminhos-de-ferro portugueses merece alguma solicitude.
Posto isto, e socorrendo-me de uma das obras de Mário de Carvalho, deixo o desafio: e se tivessem a bondade de me dizer porquê!

PAULO VILA

junho 02, 2006

Por que é que o presidente da CP se demitiu?

O homem que aceitou o “desafio” de “assegurar um resultado operacional equilibrado num prazo de cinco anos” e de fazer da CP “a melhor empresa” de transporte ferroviário da Península Ibérica demitiu-se. Acrescenta o Ministério dos Transportes que António Ramalho o fez por “motivos estritamente relacionados com a sua conveniência pessoal”. Ou, dito de outra forma, o presidente da CP preferiu ir apanhar ar para outras paragens, onde as dores de cabeça são menores e as competências menos vezes postas à prova.
Sou um entusiasta inveterado do caminho-de-ferro e confesso, sem qualquer tipo de animosidade, que rejubilei com este anúncio. Não por qualquer ímpeto malévolo ou outro, mas porque há muito que defendia a exoneração de António Ramalho. Tive oportunidade de o expressar publicamente em várias ocasiões…
Pouco me importam as razões invocadas pelo presidente demissionário para justificar a sua saída. Quaisquer que elas sejam, respeito-as, porquanto serão sempre legítimas. Mas para quem andou todo este tempo a pedir empenho e abnegação aos trabalhadores da empresa, seria de todo desejável e justo que pelo menos àqueles António Ramalho prestasse, também agora, algumas explicações.
De resto, quem acompanhou de perto a forma como desde 24 de Setembro de 2004 a CP tem vindo a ser gerida, conhece os motivos que levaram a esta demissão: contrariamente ao que apregoa a agência de comunicação por este contratada, a estratégia de António Ramalho para a CP faliu. E faliu, primeiramente, porque ela foi delineada não a pensar na reconversão e expansão do transporte ferroviário, mas antes baseada em pressupostos economicistas que, de todo em todo, não servem a CP nem os passageiros desta. Depois, foi implantada por um homem que nem na próxima encarnação vai querer perceber que a viabilidade económica da CP se consegue através do aumento substancial do número de passageiros e não suprimindo comboios e serviços. Encerrando linhas e vendendo material circulante à Argentina… Em suma, desinvestindo em vez de fazer exactamente o contrário.
Posto isto, houvesse hombridade, coragem política e vontade efectiva de colocar a empresa nos carris, Ernesto Martins de Brito seria o escolhido para presidir novamente à CP. Mais do que merecida, esta oportunidade é-lhe devida, sobretudo, pela forma como foi afastado do cargo. Já os longos anos que passou na CP dão-nos a garantia de que a empresa seria, de novo, gerida por quem sabe.

PAULO VILA
O flagelo da gestão de António Ramalho

Dia após dia, a incapacidade de António Ramalho para gerir a CP manifesta-se em todo o seu esplendor. O esforço para que tal não ganhe relevo junto da comunicação social é enorme mas, ainda assim, há ocorrências que nem mesmo o esforço e o empenho do conselho de gerência e dos seus correligionários conseguem impedir que sejam do conhecimento público.
São disso exemplo dois casos ocorridos a semana passada na linha do Minho. O primeiro, aconteceu com o comboio regional 3113, entre Nine e Viana do Castelo. A circular com apenas um motor, a composição acabou por deter-se logo após o apeadeiro da Silva. Pedido socorro pela tripulação do dito comboio, eis a resposta: “não há material circulante” para rebocar a composição avariada. Apagadas as luzes e desligado o ar condicionado, a marcha prosseguiu, a “passo de caracol”, acumulando longos minutos de atraso e sacrificando desnecessariamente o material. Aliás, só por sorte, que é coisa que não tem faltado nem à CP nem à REFER, é que o motor que restava não avariou também.
A segunda ocorrência é, igualmente, um hino à incompetência. No âmbito do Campeonato Europeu de Futebol, foi anunciado um comboio especial para transportar os passageiros do Portugal – Sérvia e Montenegro. Partiu de Barcelos às 22h20 com destino a Porto-Campanhã. Acontece que, como a divulgação foi miserável, a iniciativa fracassou. De tal forma que apenas foram vendidos 20 bilhetes para um comboio que oferecia quase 200 lugares sentados.
Ora, avaliando este desempenho catastrófico à escala da rede ferroviária explorada pela CP, uma pergunta se impõe: o que é António Ramalho continua a fazer na CP? Monte?!

PAULO VILA
Notas sobre a CP e o seu presidente

1. De forma habilidosa mas pouco inteligente – nada a que não nos comecemos já a habituar –, o comunicado de imprensa sobre “as contas do exercício de 2005” da CP, apresentadas no passado dia 4 de Março, diz, num dos títulos, o seguinte: “2005 trava tendência de redução dos passageiros”. Mais adiante, no meio do texto, acrescenta-se: “por quilómetro transportados...”. Depois, compara o número de passageiros por quilómetro transportados (PK) em 2005 com os de 2003. Caso contrário, se a comparação fosse feita com os de 2004, os resultados seriam negativos! É que de acordo com a International Union of Railways (UIC), em 2004 o PK da CP foi de 3,415 mil milhões, e em 2005 de apenas 3,412 mil milhões. Ou seja, menos 0,1%.
Mas este “esforço” para fazer do que é preto branco não acontece por acaso. Pensará o presidente da CP que, deste modo, se retira importância ao facto de a empresa ter transportado menos três milhões de passageiros em 2005, comparativamente com o ano anterior.
Merece, pois, um esforço tentar perceber para onde António Ramalho “empurra” a CP. Estatísticas da UIC, que permitem comparar o número de passageiros transportados em 1994 e 2005 pelos operadores ferroviários europeus, mostram as seguintes variações: Espanha (+44%), Alemanha (+20%), Áustria (+1%), Inglaterra (+51%), Bélgica (+31%), Holanda (+3%), França (+22%), Luxemburgo (+24%), Itália (+13%). E Portugal? Pois bem! Menos 34%! O equivalente a quase 70 milhões de passageiros, para uma perda média anual que ronda os 5,5 milhões.
E o que diz António Ramalho sobre isto? Nada! A não ser que “a CP conseguiu reduzir, em apenas um ano, 26% do prejuízo registado em 2004”. Em suma. Só o presidente da CP parece não ter ainda percebido que quando se acabar com os comboios a empresa deixa de ter prejuízos…

O “frete” de Nicolau Santos

2. Nicolau Santos, director-adjunto do Expresso, titulou o “Cem por Cento” do último 25 de Março desta forma tão singular: “O bom caminho que segue a CP”. Ora, com esta opinião, o economista ou pretende fazer um “frete” ao inefável conselho de gerência da CP ou, então, foi induzido em erro por não terem tido o cuidado de lhe facultarem a totalidade dos números.
Permitir-me-á Nicolau Santos que dê aqui a minha opinião sobre “o bom caminho que segue a CP” para dizer que, no mínimo, aquela afirmação é uma monumental falácia. Caso contrário, Nicolau Santos acha que a CP segue no bom caminho quando, em apenas um ano (2005), perde quase três milhões de passageiros!? Ou será que a CP está mesmo no bom caminho quando o seu presidente vende à Argentina material circulante, nomeadamente locomotivas, que são indispensáveis no já de si muito debilitado parque de material circulante da empresa? E o que dizer da transportadora e do seu presidente quando estes se recusam a admitir que durante mais de vinte anos a empresa fez, à margem da lei, sucessivas alterações à Tarifa Geral de Transportes e que muitas destas alterações agravaram significativamente o preço dos bilhetes? Concordará Nicolau Santos que o bom caminho a dar à CP passa pela degradação do serviço regional e pela extinção do serviço Intercidades, como aconteceu recentemente na linha do Douro? Ou pela supressão de comboios e, noutros casos, pela substituição destes por autocarros? Ou será, ainda, que o melhor caminho a seguir é o da CP continuar sem uma estratégia de fidelização e de captação de novos clientes? É que o saneamento financeiro da CP não pode ser feito apenas à custa uma redução “cega” das despesas, mas sobretudo através de um aumento considerável das receitas.
Mas o que é que tem feito António Ramalho para o conseguir? Nada. Absolutamente, nada! Pelo contrário. Prevê no seu plano estratégico “Líder 2010” o fim da exploração comercial nas linhas do Tâmega, Corgo e Mirandela!
É, pois, por estas e por muitas outras que a CP “até vai reduzir os prejuízos de 260 milhões de euros em 2004 para 190 milhões de euros em 2005”, como enfatizou Nicolau Santos. Mas o que aqui está em causa não são os resultados, mas sim a forma negligente e irresponsável como eles foram e continuam a ser obtidos. E nem é necessário ser-se economista para que qualquer principiante ou simples entusiasta pelo caminho-de-ferro chegue a esta conclusão. Algo vai mal quando uma empresa que tem um défice de passageiros transportados por quilómetros tão elevado como o da CP reduz, em apenas um ano, os seus prejuízos em 60 milhões de euros.
Por isso, Nicolau Santos não deveria considerar como sendo uma virtude o facto de Ana Paula Vitorino ter “resistido à tentação de mudar a gestão da CP”. Longe disso! Em nome do interesse nacional e da sustentabilidade do transporte ferroviário há muito tempo que António Ramalho deveria ter sido exonerado.

PAULO VILA