abril 06, 2005

Indemnizações aos passageiros: um novo desafio para a CP

A CP está perante um novo e audacioso desafio. E ao declarar inconstitucional a norma da tarifa geral de transportes que desresponsabilizava a empresa “pelos danos causados aos passageiros resultantes de atrasos, supressão de comboios ou perdas de enlace”, o Tribunal Constitucional não fez mais do que harmonizar aquele documento com o que a Constituição da República preconiza no seu artigo 60. Sintetizando, os consumidores “têm direito (...) à reparação de danos”.

Posto isto, importa pois aqui lembrar que, exceptuando os cinco longos anos que decorreram desde que o anterior Provedor de Justiça, Menéres Pimentel, suscitou a inconstitucional desta norma até ser conhecido o acórdão, nada mais há a registar a não ser o facto de a CP, por sua iniciativa, nunca ter querido regularizar a tarifa geral de transportes. O que só por si é sintomático!

Com a convicção de quem encara o marketing como peça fundamental para a fidelização e procura de novos clientes, tenho para mim que o sucesso da CP será tanto maior quanto maior for a relação de confiança entre o passageiro e a empresa. E numa altura em que a Europa se prepara para liberalizar o transporte ferroviário, primeiramente o de mercadorias e depois o de passageiros, os administradores da CP não podem continuar a negligenciar aspectos tão sensíveis como este. Muito menos quando o seu presidente vem dizer que quer que em 2009 a CP seja “a melhor empresa de transportes ferroviários da Península Ibérica”, ou que esta “pode ganhar no mercado o direito a ser o operador de alta velocidade ferroviária em Portugal”. Estas são palavras de António Ramalho.

Pois bem. Conhecida que é a posição do Tribunal Constitucional, daqui em diante apenas haverá lugar para uma de duas escolhas: a aposta num serviço de qualidade que dê garantias e confiança aos passageiros ou, pelo contrário, a opção pela continuidade com tudo o que ela tem de pernicioso. A primeira, bastante mais difícil, deve ser encarada com determinação e reconhecida como um investimento. Mas temo bem que dada a manifesta falta de qualidade e de ambição da actual administração da CP a escolha recaia sobre a segunda opção. E porquê?

Para potenciar algumas unidades de negócio e torná-las atractivas aos olhos dos investidores privados, a CP tem vindo (e continua) a prejudicar severamente os seus clientes em detrimento de uma harmonização e flexibilização dos horários de modo a garantir aos passageiros enlaces rápidos e cómodos. De tal forma que, em Maio de 2002, fez chegar às bilheteiras uma ordem de serviço onde determina que “os enlaces nunca podem ser inferiores a 20 minutos”. Era então presidente do conselho de gerência Crisóstomo Teixeira, um dos que por certo terá lugar de destaque na galeria dos piores administradores da CP desde a nacionalização do caminho-de-ferro e para onde também parece caminhar a passos largos António Ramalho.

Mas, recuando um pouco, lê-se também no mesmo documento que “sempre que a referida diferença temporal não se verifique, devem os clientes ser devidamente avisados [de] que não é garantido enlace e essa informação anotada no verso do bilhete.” E por que quererá a CP que essa informação seja anotada no verso do bilhete? A resposta é muito simples: para se desresponsabilizar, aliviando-se de dores de cabeça e evitando assim ter que indemnizar os seus clientes, alegando sempre que foram previamente avisados das condições em que viajavam. E como provavelmente estaremos na presença de mais um caso de manifesta violação da lei, a CP não classificou este documento como instrução de venda nem tão pouco o incluiu na sua regulamentação comercial, optando antes por distribui-lo de forma avulsa. Ou seja, oficialmente não existe, mas o seu conteúdo é respeitado e aplicado rigorosamente dado tratar-se de “orientações fornecidas superiormente”.

A forma como por vezes a CP trata os seus clientes não se coaduna com os princípios de uma empresa que quer ser uma referência no mercado, bem pelo contrário, chega a assumir contornos de logro. As novas fórmulas de revalidação e de reembolso são disso mesmo exemplos, assim como o é o sistema de “compensação” por atrasos nos serviços Alfa Pendular e Intercidades. Uma hora de atraso é mais do que suficiente para que o passageiro seja reembolsado na totalidade, e essa é também a dedução que se faz após a leitura e preenchimento do modelo a solicitar o reembolso. Porém, a CP apenas devolve a totalidade do valor da viagem quando o atraso é igual ou superior a 90 minutos, caso contrário o reembolso é de 50 por cento! Ora, em situações como esta, a transparência na relação entre a empresa e o cliente sai diminuída e a confiança atinge, inevitavelmente, valores negativos.

Por tudo isto, o acórdão do Tribunal Constitucional deve ser encarado como um ponto de partida para romper com o passado e fazer da CP a empresa de prestígio que foi e merece continuar a sê-lo. E a aposta no cliente, que não é mais do que reconhecer-lhe a importância que ele efectivamente tem no seio da empresa, é a melhor forma de no próximo ano se comemorarem os 150 anos do caminho-de-ferro em Portugal.

PAULO VILA