julho 19, 2006

Pobre país este que tais ministros tem

Há cerca de duas semanas, o Partido Ecologista “Os Verdes” veio a público dizer que tinha recebido do ministro das Obras Públicas, Mário Lino, a “confirmação clara” de “que as linhas-férreas não rentáveis são para encerrar”. Ainda de acordo com os ecologistas, deste lote fazem parte o que resta das linhas do Tua, Corgo e Tâmega, e os ramais da Figueira da Foz e Cáceres.
De visita a Bragança, também por estes dias, o mesmo Mário Lino lá foi dizendo que “existem algumas linhas que não têm procura, pelo que é insustentável manter um troço que as pessoas não querem utilizar.” Pois é! Como se não gozasse de todas as comodidades e mordomias ministeriais, Mário Lino acha-se no direito de concluir que são “as pessoas não querem utilizar” o comboio. E, ao fazê-lo, só por desonestidade intelectual é que omite que esse comboio que “as pessoas não querem utilizar” continua a circular à mesma velocidade de há 150 anos, em menor número e em condições que, objectivamente, não serve ninguém.
É claro que, em relação à linha do Tua, compreende-se perfeitamente o esforço de Mário Lino. Os estudos que estão a ser elaborados para a construção de uma barragem na foz do rio Tua prevêem, num dos casos, o alagamento do troço da via-férrea entre Tua e Cachão. Tudo em nome do “interesse nacional”, dirá, por certo, Mário Lino.
Mas, mudando novamente de agulha, importa lembrar que esta discussão em torno do encerramento das linhas de reduzido tráfego, já não é nova. Pelo contrário. É recorrente e acontece sempre que se procura emagrecer a despesa do Estado e, também neste caso, a da própria CP. A argumentação é sempre a mesma: hoje em dia a utilização do modo de transporte ferroviário não se justifica económica e socialmente nos casos em apreço.
Foi, aliás, com base neste pressuposto que se elaborou o Plano de Reconversão Ferroviária que conduziu ao encerramento, entre 1988 e 1994, de 814 km de linhas-férreas. Nada mais, nada menos do que 23% da rede total. Os 3.610 km foram, então, reduzidos para 2.796 km.
João Oliveira Martins, o ministro responsável por esta ruinosa decisão, justificava-a deste modo: “o prolongamento, nos próximos decénios, da exploração em toda a rede actual, modernizando-a, seria um dispêndio de recursos materiais e humanos enorme, sem benefícios económicos e sociais que o justificassem.” Acabou, depois, a dizer, talvez para disfarçar a grosseria do erro, que “as suspensões de exploração levadas a cabo pela CP nem sempre respeitaram rigorosamente as orientações estabelecidas pelo Governo para o encerramento provisório ou definitivo das linhas de reduzido tráfego.”
Convém, pois, recordar que nas últimas três décadas o caminho-de-ferro não foi só amputado em mais de 1.000 kms de via – supostamente, os mais deficitários. Viu também perder as mercadorias a detalhe – sem que se perceba porquê, já que em 1974 o transporte de mercadorias representava 25% das receitas da CP – e assistiu à dispensa de largos milhares de funcionários. Dos 26.483 efectivos que a empresa tinha nos seus quadros em 1970, restam nos dias de hoje menos de 5.000. A exploração ferroviária feita com locomotivas a vapor foi substituída pela tracção a diesel e, noutros casos, esta pela tracção eléctrica. Para dar lugar à liberalização do sector, o “fardo” da manutenção e gestão da infra-estrutura ferroviária foi transferido para a REFER. Como tantas outras, estas medidas foram sempre justificadas com base na necessidade de reduzir os prejuízos da CP com vista ao seu saneamento financeiro.
Pois bem! E qual foi, então, o resultado preciso de algumas destas sábias decisões? A resposta foi dada o ano passado através da auditoria à CP realizada pelo Tribunal de Contas. “De acordo com os critérios normalmente usados, a CP encontra-se em falência técnica, não cobrindo o valor contabilístico que possui, as dividas a terceiros (bancos e fornecedores)”, lê-se no documento. De resto, o relatório responsabiliza fortemente o Estado pela situação em que se encontra a transportadora nacional, dando, até, alguns exemplos. “O protelamento das dívidas à CP, pela concessão nos benefícios no transporte ferroviário, de montante muito significativo, por parte das entidades oficiais responsáveis pelo seu pagamento, tem constituído um forte constrangimento à empresa sobretudo no contexto da difícil situação financeiro que a mesma tem vivido, em nada contribuindo para a sua solução”, escreveu o Tribunal.
Mas, depois de tudo isto, o ministro dos Transportes age como se nada tivesse acontecido e prepara-se para cometer o erro dos seus antecessores. Pouco importa a Mário Lino se entre 1994 e 2005 a CP perdeu em média anualmente 5,5 milhões de passageiros. Ou, por outro lado, se a empresa continua a não ter uma estratégia de fidelização e captação de novos clientes, visando um significativo aumento da receita. Não! A única coisa que parece preocupar Mário Lino é a fraca rendibilidade de algumas linhas que, goste-se ao não se goste, são estratégicas para o desenvolvimento turístico das regiões.

PAULO VILA